-” Sabia sim, o meu tio me contou, mas não fala nada, que ele não pode saber”.
Mas se éramos privados da aventura noturna dos pais a nossa começava logo de manhã, quando íamos “sorrateiramente” procurar o homem já livre da maldição de transformar-se em lobo. Chegávamos na casa do Pedrinho e a primeira pessoa a receber o bom dia coletivo era Seu Quincas que, sem entender nada, nos convidava para tomar café. Já havia tomado o seu, levantava-se bem cedo. Como estava pronto para ir trabalhar já de terno, gravata e chapéu e sempre com gestos rápidos, só dava para ver alguns poucos pelos nas mão e no rosto.
- “ Eu consegui ver restos de terra em baixo da sua unha”.
- “ E eu, como estava sem chapéu, ainda deu para ver alguns pelos em seu rosto”.
- "Quando nós nos despedimos dele eu ouvi um uivado bem baixinho".
- "Será que o Pedrinho também vai virar lobisomem?".
As mal traçadas reminiscências, reais, de infância foram "lembradas" pela cronica do Carlos Heitor Cony:
"Antigamente, em cada bairro, em cada rua, havia um sujeito que tinha a fama (ou a glória) de ser lobisomem em noites de lua cheia. Havia sempre um corno em evidência, um bicheiro aposentado, um ex-padre amasiado com a empregada, um candidato a vereador eternamente derrotado. Mas o espécime mais notório era o cara que se transformava em lobo e andava pelas ruas uivando contra as estrelas.
Inspiravam mais pasmo do que horror. O sujeito até que não fazia nada de especial, mas todos o evitavam. Mesmo assim eram procurados, sendo bons em dicas que davam sobre o jogo do bicho. Seu Almeida acertou um milhar e atribuiu a façanha ao palpite que recebera do Sacadura -um tipo alourado e sem dentes que já fora visto em forma de lobo pulando a janela de uma tal de Moerís, mulher de um amanuense da Marinha de Guerra.
Não havia mulas-sem-cabeça nas ruas do Rio bucólico de outros tempos. Nem sacis -que eram exclusividade do interior mais profundo, do rio Meriti para cima. Mas sobravam lobisomens, que eram apontados nas ruas como os cornos. Muitos deles acumulavam as duas funções, cornos de dia e lobos em noites de luar.
Não havia balas perdidas naquele tempo. Morria-se de gripe, de pulmões avariados, de aneurismas arrebentados, de mortes decentes, que provocavam enterros decentíssimos, com direito ao pranto aberto e ao luto fechado. As viúvas ficavam mais apetitosas com as meias pretas e aquele véu cobrindo o rosto.
Receberei e-mails reclamando que não escrevo sobre os manetes do Airbus, as pistas ensaboadas dos aeroportos, os bois do Renan, as dificuldades do ministro da Defesa em acomodar seu 1,90 m nas poltronas da classe econômica. Preferi falar dos lobisomens. Terror por terror, eram mais inofensivos."
Serviço:
Quando uma mulher tem 7 filhas e o oitavo filho é homem, esse menino será um Lobisomem. Também o será, o filho de mulher amancebada com um Padre. Sempre pálido, magro e orelhas compridas, o menino nasce normal. Porém, logo que ele completa 13 anos, a maldição começa. Na primeira noite de terça ou sexta-feira, depois do aniversário, ele sai à noite e vai até um encruzilhada. Ali, no silêncio da noite, se transforma em Lobisomem pela primeira vez, e uiva para a lua. Daí em diante, toda terça ou sexta-feira, ele corre pelas ruas ou estradas desertas com uma matilha de cachorros latindo atrás. Nessa noite, ele visita, 7 partes da região, 7 pátios de igreja, 7 vilas e 7 encruzilhadas. Por onde passa, açoita os cachorros e apaga as luzes das ruas e das casas, enquanto uiva de forma horripilante. Antes do Sol nascer, quando o galo canta, o Lobisomem volta ao mesmo lugar de onde partiu e se transforma outra vez em homem. Quem estiver no caminho do Lobisomem, nessas noites, deve rezar três Ave-Marias para se proteger. Para quebrar o encanto, é preciso chegar bem perto, sem que ele perceba, e bater forte em sua cabeça. Se uma gota de sangue do Lobisomem atingir a pessoa, ela também vira Lobisomem.