Futebol Paulistano

Eu não seria tão paulistana se não gostasse de futebol. Para domingo próximo tem duelo na tevê, nos campos e aqui em casa. As mulheres são-paulinas contra os homens palmeirenses. Dois contra dois nesta empreitada dos casais. Meu pai e ele, porcos de ter dó (tá, perdemos de 4 no último confronto, não precisam me lembrar). Eu e minha mãe, pós-de-arroz. Nós três aqui de casa estamos ponderando uma ida ao campo. Ainda não falei com ele, mas tenho certeza que encara. É que eles estão em suposta vantagem, pela glória do jogo derradeiro, enquanto nós nos baseamos na sede de vingança. Sabe aquela, quem ri por último ri melhor? É, pois é. Espero que se cumpra. Ou o lado de cá vai se danar.

Minha última ida ao campo, depois que deixei de ser “guarda-redes” - campo e salão -, foi no dia 18 de abril de 2004, segundo jogo da final do Campeonato Paulista e um domingo de páscoa. Pacaembu: Paulista de Jundiaí x São Caetano. E foi por acaso. E por acaso, coincidências à parte, eu ornava orelhas de pelúcia. Coisas de família. Antes da partida, minha tia e madrinha número dois, uma mulher cheia de graça, para fazer graça levou duas tiaras imitando orelhas de coelha para a casa de minha avó. Passou pelo portão rindo, nos puxou pelo braço (eu e minha prima), entregou os “presentinhos” e sarcasticamente destilou: “é a cara das duas”. As afilhadas. Pulávamos de um lado para o outro, rindo, dentões à mostra (os meus e os dela) e a profecia de Galvão Bueno: “é uma pena ver um estádio tão vazio numa final de Campeonato Paulista...”.

Era mesmo uma pena. A razão pela falta de público eram os dois times sem tradição (ou expressão) que chegaram à final. Olhei para meu pai, que olhou para mim, depois para minha tia e em 20 minutos chegamos, os três, ao estádio. Jogo já iniciado, ainda no zero a zero. Antes de sair de casa, tiara em punho, sentenciei: coloquem a fita para gravar, porque eu vou aparecer na tevê. O quê, de fato, aconteceu, exceção feita à gravação. Galvão: “até a coelhinha da páscoa veio prestigiar o jogo”. Minha mãe conta que a tevê me focalizou por muitos segundos, coisa que eu acredito pela semana de glória e fama que tive. Amigos me ligando para tirar uma, vizinhos achando tudo uma coisa sem pé nem cabeça e alunos muito criativos investigando, imitando, saltitando, fazendo corredor polonês e contando cenas em família: “quando eu disse pro meu pai que você era minha professora, ele desacreditou”. E aí me caiu a ficha de quanto uma Rede Globo pode ser inusitada.

Eu ia muito ao estádio na época do Telê Santana, lá pelos idos de 1992. E todas as vezes foram de impulso. Um dia fomos de ônibus até o Morumbi. Eu e um amigo. Não tinham mais ingressos na bilheteria, apenas nas mãos de cambistas. Os bilhetes superfaturados nos zeraram os bolsos para a geral e eu gelei. A geral era coisa que não combinava comigo, decididamente. E ainda teríamos que dar conta de chorar com o cobrador na volta para casa. Mas nessa hora vale tudo e quem está na chuva tem que se molhar, pelo menos é o que diz o ditado.

Íamos subindo em direção a um dos portões de acesso quando nos veio um cambista, com dois ingressos para as numeradas. Coisa que me deu um aperto no coração já que tínhamos dado toda a nossa grana para o cambista da geral, alguns segundos antes. Olhei para o meu amigo, tomei-lhe os ingressos de suas mãos e fui convencer o novo cambista trocar as gerais pelas numeradas. Somei as palavras, coloquei todas elas em fila e sai argumentando loucamente. Dizia que eu não tinha condições de assistir o jogo da geral, espremida no meio de um monte de marmanjos e coisa e tal, e tal e coisa. Que eu era mulher, que eu isso, que eu aquilo, que o tricolor aquilo outro.

Nada. Até que apelei para a filha do cara, para a irmã do cara, para a mãe do cara. Com toda a mulherada em campo deu certo. O cara trocou os ingressos pau-a-pau, já que estávamos mais limpos que tudo. Com fato comprovado ou nada feito. Esvaziamos os bolsos e eu fui oferecendo ao cambista tudo o que eu levava comigo: chicletes, elástico de cabelo e um grampo que estava perdido no bolso da minha calça. Meu amigo também ofereceu a alma, inclusive a carteira de couro falsificada que ele tinha, e não acreditou no que aconteceu, nem eu. Entramos, assistimos o São Paulo golear num 4 a zero contra não lembro quem. Sinceramente não me importava mais. Ainda tínhamos que chegar em casa, o que foi mais fácil. Saímos do estádio em direção ao ponto de ônibus e demos de cara com o meu pai no seu Fiat 147. Um encontro mais que bem-vindo. E, considerando que na época não havia celular, um inesperado encontro muito bem encontrado. Amém.

Mas a minha melhor ida para o Cícero Pompeu de Toledo foi em 1993, numa Libertadores, 1º jogo da final. São Paulo e Uiversidad Catolica do Chile. E já vou logo dando o resultado: 5 a 1 para o tricolor. Jogão. Mal dava tempo para passar a empolgação do gol anterior, já vinha outro. A torcida enlouquecida. Foi um tesão. E dos grandes. Isso sem contar a Independente (é, naquele época ainda se podia torcidas organizadas!) calorosamente bem atrás da gente.

Como das outras vezes foi de última hora e foi a primeira vez que assisti um jogo no anel superior do Morumbi. Quando eu e meu pai entramos no estádio, com 90 mil pessoas empolgadíssimas, percebemos que seria realmente muito difícil achar um lugar ao sol. A arquibancada estava absurdamente tomada. Ele, com sua preocupação de pai, a me proteger e eu achando muito engraçado procurar um lugar no meio de tantos homens. Eu passava e eles imediatamente abriam espaço para que eu me sentasse entre dois deles. Ao mesmo tempo boicotavam meu pai. Claro. Para meu pai os homens escancaravam as pernas num grito do tipo: “ó, aqui não dá, já tá lotado!”. Então ficamos andamos por lá durante uns cinco minutos (realmente não tinha onde sentarmos) quando eu disse para meu pai: aquela lá não é a Vá? Era.

A Vá é uma amiga que tenho desde os três anos de idade. Tricolor doente. Não só ela como a mãe dela, o irmão e as outras 3 irmãs. Fizeram as contas? Imaginaram a cena? Estava toda a família dela lá, bem na frente da Torcida Independente. Uma mãe, suas quatro filhas, duas amigas e um filho. Contaram? E de encontro, aparece um pai e outra filha, numa coincidência maluca (se tivéssemos marcado, com certeza teríamos nos perdido bem no meio da multidão). Meu pai cumprimentou a mãe dela, as meninas e o menino. Eu fiz o mesmo e, de repente, o caloroso coro da Independente veio em nossa direção: “ou, ou, ou, a família completou! Ou, ou, ou, a família completou! Ou, ou, ou, a família completou!”.

Sem outros comentários, foi uma noite memorável. Eu e meu pai nos esprememos com a “Família Independente” e nos surpreendemos no primeiro gol. É que foi incrível como todo mundo ganhou, com folga, seu lugar ao sol. Na hora do gol a torcida toda se levantou e quando todos resolvemos nos sentar, passada a euforia, os espaços se acomodaram e se confortaram. Mas nem deu tempo. Só deu mesmo para contar os gols. E pular. E enlouquecer. É, sem mais comentários, foi mesmo uma noite memorável e, assim, tão paulistana.


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