MEMÓRIAS DA CIDADE


No 2 de abril fomos lá à Sala São Paulo – monumento arquitetônico que conserva em suas colunatas, corredores e salões tantas memórias e histórias da cidade e de outros tantos milhões que simplesmente por aqui passaram quando era a famosa e referencial Estação do Norte, onde tantos nordestinos aportaram com suas matulas e embornais, entre eles meu pai, lá por meados dos princípios do séc. XX, inevitavelmente nos fazendo lembrar da cantiga de Gilberto Gil (sua versão do Pau de Arara) “... minha mala era um saco / o cadeado era um nó...” – assistir ao lançamento do livro SãoPauloMinhaCidade.com.

Deixando o Murzelo Alazão – com arreios novos em folha – num mourão que foi providenciado com antecedência, logo na entrada o teatro, lá adentramos. De cara, depois de entregarmos o convite, fomos inquiridos sobre quem era o autor e antes que eu dissesse que ambos éramos autores, pois a Musa sempre participa de meus textos, seja opinando ou simplesmente pela viva presença, ela, a Musa, apontou para mim e a menina da recepção me tascou uma espécie de presilha no pulso, à maneira como fazem com pacientes nos hospitais públicos ou nas maternidades: era a maneira de identificar “autores” em meio a centenas deles, nenhum conhecido. De soslaio olhei para trás e felizmente o Murzelo não viu, pois se o tivesse feito, certamente relincharia ou por despeito ou simplesmente para tirar uma com minha cara, como a dizer: “tá vendo como se sentem os animais de raça?”

Passando pela recepção, fomos tolhidos pela torrente humana que lá dentro de adensava: homens, mulheres de muitas idades, pouquíssimas crianças e a maioria trajando roupa de gala. Impossível não notar as mulheres, com generosas vestimentas, lustrosas a maioria, com quilos e quilos de maquiagem, presença viva da importância da indústria cosmética nesses nossos tempos... Lembrei de meu amigo Zé Mangabeira, um cabra arretado que mora lá no Cerrado brasileiro, que se diz Prinspe da Família Real Brasileira e que é meio dado a filosofias de botequim e ao ver uma mulher maquiada costuma dizer: “oxi, a gente fica na dúvida: será que ela é bunita mesmo ou é a máscara que ela põe inriba da cara?” No mais, não dava brecha de realizar a missão que nossa Editora-Chefe Fernanda nos legou, a de “observadô”, pois na azáfama e nos apertos e corre-corres, isso não era possível. Além disso, estávamos com sede e tínhamos de ficar na tocaia de algum garção que passasse com copos cheios ou bandejas de petiscos. Mas os garçons só passavam com copos vazios e o jeito foi encarar a fila das bebidas onde se servia refrigerantes, cervejas e champanha.

Deve-se, diga-se a bem da verdade, que a iniciativa de transformar o conteúdo de um site sobre a cidade de São Paulo em livro é algo louvável, especialmente por se tratar de pessoas anônimas, cujos textos não possuem caráter literário, apesar de muitos, diria a maioria, possuírem grande beleza: ali estão memórias de quem vive ou viveu em Sampa, descrição de fatos cotidianos, do tipo que não aparecem nos livros de história ou na grande imprensa. Personagens, situações dramáticas, singelas, humorísticas ou pitorescas, compondo um vasto painel da cidade. Tudo isso é memória de Sampa e será distribuído gratuitamente nas bibliotecas e outras instituições.

O espetáculo musical, precedido pelas inevitáveis falas dos políticos que apoiaram o projeto, teve momentos inesquecíveis. Bem encadeado pelo jornalista Chico Pinheiro, sempre contextualizando a obra com a história de Sampa: as músicas, os poemas, as justas homenagens a personalidades como Paulo Vanzolini, Billy Blanco, Zica Bergami, Alberto Marino Jr. (da rapaziada do Brás), todos presentes,. Não faltou, como jamais deveria deixar de ser, a justíssima homenagem ao eterno Adoniram Barbosa.

A apresentação em si teve momentos primorosos: Pery Ribeiro em grande forma; Claudya; Quinteto Preto-e-branco. Jair Rodrigues foi o ponto alto, com um arranjo inédito para Disparada, um esfusiante diálogo entre o violão e a Orquestra, além do piano de Amilson Godoy. Com Jair, se apresentou a cantora Fabiana Cozza, um vozeirão jazzístico, representando, deveras, um estilo muito comum nas noites da paulicéia desvairada.....

Finalmente chegou o momento de ver impresso, materializado literalmente, a crônica “A Resistência do Forró”. Qual não foi minha surpresa ao vê-lo mutilado. Sabe-se lá pos motivos, cortaram a parte em que contava o do surgimento do bairro Jabaquara, suas origens caboclas e indígenas... Bom, não era noite para me aborrecer e, para o bem geral, é bom que se diga que o texto, originalmente publicado no Sertão Paulistano, lá está na íntegra.
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