Kátya Teixeira
Semana pródiga, essa última do mês de Julho no Ser-tão Paulistano. Involuntariamente ganhei presentes, muitos, de aniversário – tive a ventura de ter-me feito leonino nessa Terra Incantada, onde a cada dia se descobre tesouros; muito ouro e que não é de tolo. É certo que nessa época nosso Ser-tão Paulistano sofre com a falta de chuva, mas, para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir a genialidade de nossos artistas populares, quem precisa de chuva, se eles – nossos artistas – só faltam fazer chover?... (pena que a grande mídia nativa – jornais, emissoras de rádio e TV – nos faz parecer que é árido nosso sertão. Na verdade, não é: verdejante e pujante é o sertão, mas, para descobrir os tesouros, é preciso conhecer os caminhos secretos, os “caminhos do Peabirú” que levam aos tesouros culturais, como nos ensina o guru ZéMaria). Mas, falava da semana pródiga em talentos nos palcos paulistanos, onde tivemos Kátya Teixeira e Indio Cachoeira e isso ainda é pouco: no início de Agosto teremos no Auditório do Ibirapuera um encontro de violeiros com nomes como Almir Sater, Paulo fFreire e o genial Adelmo Arcoverde, natural de Serra Talhada, Pernambuco: ninguém toca uma viola sertaneja como esse Adelmo!
Mais ou menos há um ano atrás escrevia nessas mesmas páginas do Ser-tão sobre o trio Kátya Teixeira, o violeiro Matuto Moderno Ricardo Vignini e a percussionista Cássia Maria. O texto se chamava A Mulher Estrela e era uma referência ao disco de estréia de Kátya, o Katcherê, feliz arranjo com o nome da própria e a lenda de Katcherê, a Estrela que, penalizada com a solidão de um índio, desceu à terra para consolá-lo, tornando-se uma formosa mulher. Naquela ocasião, falava da empatia do trio junto ao público através de recriações de temas do nosso cancioneiro popular (vide postagem de 26.08.2007). Pois o trio, agora mais azeitado do que nunca, continua na árdua e também doce missão de nos encantar a todos.
O material com que Kátya trabalha – elementos da cultura índia, negra e branca – ela busca basicamente na tradição oral, nos rincões brasileiros de norte a sul e também d’além-mar, nunca deixando de prosear com o pessoal das Ilhas Canárias, de Cabo Verde ou Ilha da Madeira, onde boa parte da cultura lusitana manteve-se incólume de grandes modificações ao longo dos séculos. Porém, da “massa bruta”, suas mãos de artesã fazem brotar praticamente um elemento novo, amalgamando e “costurando” tendências, fazendo-as convergir na direção de algo que poderia chamar “música e cultura mestiça”. A música tocada e cantada por ela e os companheiros Ricardo e Cássia – e também em suas apresentações solo ou acompanhada pelo violonista Ney Couteiro e o percussionista Aluá Nascimento, como na série de shows de Sevilha, cujos fragmentos podem ser vistos no You Tube – utiliza todos os recursos possíveis disponíveis: literatura, tradição oral, ritmos e harmonias variadas e até mesmo recursos cênicos, como o uso do corpo nas danças e nas improvisadas cirandas. Juntando a sua potente e clara voz, faz surgir de toda essa mescla algo completamente novo e original, quiçá prodigalizando o sonho do professor Darci Ribeiro, que via no povo brasileiro o potencial de uma Nova Roma. Ah, se Darci visse a Kátya hoje! Certamente reescreveria seu livro O Povo Brasileiro!
Acredito que Kátya faz com a chamada MPB algo parecido com o trabalho de Marlui Miranda que principiou a carreira numa linha que se poderia chamar “tradicional” e autoral, enriquecida por elementos “mestiços” como modas de violas (Galopera e Menino da Porteira do disco Revivência) ou cantigas indígenas (De Kekeke entre outras) e temas instrumentais - certamente sob a benéfica influencia de Egberto Gismonti - aos poucos mergulhou de vez no universo indígena, enriquecendo arranjos tradicionais sem deturpar o sentido dos cantos... Kátya parte de uma MPB, digamos, “autoral” em seu primeiro CD, para um mergulho vertiginoso no universo das canções tradicionais, as chamadas de domínio público – congadas, folias, canções de trabalho, etc. São trabalhos distintos, os de Kátya e Marlui, porém tendo como alvo aquilo que temos de mais autentico: o índio, o caboclo, o negro, o branco, sem se excluírem mutuamente.
Mas, o último fim de semana de julho ainda nos reservava mais surpresas agradáveis. Depois do show da Kátya, fomos todos à casa do violeiro Julio Santin – que descobri ser meu conterrâneo: Julio é de Irapurú, cidade que muito freqüentei na infância, vizinha de Junqueirópolis, que junto com Jaciporã – onde nasci – podem realmente serem chamadas irmãs. Por sinal, nossa região caipira do Pontal do Paranapanema deve estar muito orgulhosa de seus artistas de talento reconhecido como Julio e o Índio Cachoeira, de Junqueirópolis, do qual falarei adiante.
Na casa de Julio respira-se puro astral caipira da alta paulista: objetos que fizeram parte de minha infância lá estavam, como o biblioquê, instrumentos rústicos e até um pé de café, com frutos, prontos pra colher e secar no terreirão. E descobrimos que o dono da casa tem outro talento além de tocar uma viola caipira de primeira: junto com Levi Ramiro, violeiro de Pirajuí, se encarregaram do “rango” e se revelaram cozinheiros de mão cheia: o molho branco com parmesão e gorgonzola e o molho à base de atum ainda farão história por esse mundo! A propósito, além do talento culinário recomendo os Cds dos dois: Sentimento Matuto, do Julio e Nosso Quintal, do Levi.
E a semana culminou com o maravilhoso show do Índio Cachoeira. Na abertura, Ricardo Vignini, dos Matutos Modernos, deu algumas amostras dos recursos da Viola Caipira: merece registro sua versão em viola de uma canção de Jimmy Hendrix. Virgem Nossa, esse Ricardo só pode ter feito o pacto, só pode! E tapete vermelho para Maria Dapaz, interpretando de forma soberba A Volta da Asa Branca.
Finalmente, o Índio Cachoeira, seguidor da escola de Tião Carreiro, Carreirinho e outros mestres, além de certa influência da musica tocada no Mato Grosso – Junqueirópolis fica quase na divisa daquele estado – e até do folclores andino, vide seu belo arranjo para Carnavalito (El Humahuaqueno). Lá pelas tantas reconhecemos nos trinados da viola algo que muito lembra a guitarra portuguesa, o fado. O Índio Cachoeira, cuja “formação” musical foi forjada junto as comunidades camponesas do Pontal, atua como legítimo porta voz de uma gente esquecida do nosso interiorzão: ao se mostrar como autêntico representante, as referências às nossas profundas raízes que remontam à Ibéria são inevitáveis...Ricardo Vignini, parceiro de palco e produtor de seus discos disse pouco antes da apresentação que ali estava o maior violeiro do Brasil. Estava certo.
Lembrando as palavras do genial Vital farias, a respeito do cantador Gilvan Santos, seu conterrâneo, digo do fundo da alma: “A música mestiça de Kátya Teixeira e do Índio Cachoeira é como chuva no nosso Ser-tão paulistano!”
Índio Cachoeira
Semana pródiga, essa última do mês de Julho no Ser-tão Paulistano. Involuntariamente ganhei presentes, muitos, de aniversário – tive a ventura de ter-me feito leonino nessa Terra Incantada, onde a cada dia se descobre tesouros; muito ouro e que não é de tolo. É certo que nessa época nosso Ser-tão Paulistano sofre com a falta de chuva, mas, para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir a genialidade de nossos artistas populares, quem precisa de chuva, se eles – nossos artistas – só faltam fazer chover?... (pena que a grande mídia nativa – jornais, emissoras de rádio e TV – nos faz parecer que é árido nosso sertão. Na verdade, não é: verdejante e pujante é o sertão, mas, para descobrir os tesouros, é preciso conhecer os caminhos secretos, os “caminhos do Peabirú” que levam aos tesouros culturais, como nos ensina o guru ZéMaria). Mas, falava da semana pródiga em talentos nos palcos paulistanos, onde tivemos Kátya Teixeira e Indio Cachoeira e isso ainda é pouco: no início de Agosto teremos no Auditório do Ibirapuera um encontro de violeiros com nomes como Almir Sater, Paulo fFreire e o genial Adelmo Arcoverde, natural de Serra Talhada, Pernambuco: ninguém toca uma viola sertaneja como esse Adelmo!
Mais ou menos há um ano atrás escrevia nessas mesmas páginas do Ser-tão sobre o trio Kátya Teixeira, o violeiro Matuto Moderno Ricardo Vignini e a percussionista Cássia Maria. O texto se chamava A Mulher Estrela e era uma referência ao disco de estréia de Kátya, o Katcherê, feliz arranjo com o nome da própria e a lenda de Katcherê, a Estrela que, penalizada com a solidão de um índio, desceu à terra para consolá-lo, tornando-se uma formosa mulher. Naquela ocasião, falava da empatia do trio junto ao público através de recriações de temas do nosso cancioneiro popular (vide postagem de 26.08.2007). Pois o trio, agora mais azeitado do que nunca, continua na árdua e também doce missão de nos encantar a todos.
O material com que Kátya trabalha – elementos da cultura índia, negra e branca – ela busca basicamente na tradição oral, nos rincões brasileiros de norte a sul e também d’além-mar, nunca deixando de prosear com o pessoal das Ilhas Canárias, de Cabo Verde ou Ilha da Madeira, onde boa parte da cultura lusitana manteve-se incólume de grandes modificações ao longo dos séculos. Porém, da “massa bruta”, suas mãos de artesã fazem brotar praticamente um elemento novo, amalgamando e “costurando” tendências, fazendo-as convergir na direção de algo que poderia chamar “música e cultura mestiça”. A música tocada e cantada por ela e os companheiros Ricardo e Cássia – e também em suas apresentações solo ou acompanhada pelo violonista Ney Couteiro e o percussionista Aluá Nascimento, como na série de shows de Sevilha, cujos fragmentos podem ser vistos no You Tube – utiliza todos os recursos possíveis disponíveis: literatura, tradição oral, ritmos e harmonias variadas e até mesmo recursos cênicos, como o uso do corpo nas danças e nas improvisadas cirandas. Juntando a sua potente e clara voz, faz surgir de toda essa mescla algo completamente novo e original, quiçá prodigalizando o sonho do professor Darci Ribeiro, que via no povo brasileiro o potencial de uma Nova Roma. Ah, se Darci visse a Kátya hoje! Certamente reescreveria seu livro O Povo Brasileiro!
Acredito que Kátya faz com a chamada MPB algo parecido com o trabalho de Marlui Miranda que principiou a carreira numa linha que se poderia chamar “tradicional” e autoral, enriquecida por elementos “mestiços” como modas de violas (Galopera e Menino da Porteira do disco Revivência) ou cantigas indígenas (De Kekeke entre outras) e temas instrumentais - certamente sob a benéfica influencia de Egberto Gismonti - aos poucos mergulhou de vez no universo indígena, enriquecendo arranjos tradicionais sem deturpar o sentido dos cantos... Kátya parte de uma MPB, digamos, “autoral” em seu primeiro CD, para um mergulho vertiginoso no universo das canções tradicionais, as chamadas de domínio público – congadas, folias, canções de trabalho, etc. São trabalhos distintos, os de Kátya e Marlui, porém tendo como alvo aquilo que temos de mais autentico: o índio, o caboclo, o negro, o branco, sem se excluírem mutuamente.
Mas, o último fim de semana de julho ainda nos reservava mais surpresas agradáveis. Depois do show da Kátya, fomos todos à casa do violeiro Julio Santin – que descobri ser meu conterrâneo: Julio é de Irapurú, cidade que muito freqüentei na infância, vizinha de Junqueirópolis, que junto com Jaciporã – onde nasci – podem realmente serem chamadas irmãs. Por sinal, nossa região caipira do Pontal do Paranapanema deve estar muito orgulhosa de seus artistas de talento reconhecido como Julio e o Índio Cachoeira, de Junqueirópolis, do qual falarei adiante.
Na casa de Julio respira-se puro astral caipira da alta paulista: objetos que fizeram parte de minha infância lá estavam, como o biblioquê, instrumentos rústicos e até um pé de café, com frutos, prontos pra colher e secar no terreirão. E descobrimos que o dono da casa tem outro talento além de tocar uma viola caipira de primeira: junto com Levi Ramiro, violeiro de Pirajuí, se encarregaram do “rango” e se revelaram cozinheiros de mão cheia: o molho branco com parmesão e gorgonzola e o molho à base de atum ainda farão história por esse mundo! A propósito, além do talento culinário recomendo os Cds dos dois: Sentimento Matuto, do Julio e Nosso Quintal, do Levi.
E a semana culminou com o maravilhoso show do Índio Cachoeira. Na abertura, Ricardo Vignini, dos Matutos Modernos, deu algumas amostras dos recursos da Viola Caipira: merece registro sua versão em viola de uma canção de Jimmy Hendrix. Virgem Nossa, esse Ricardo só pode ter feito o pacto, só pode! E tapete vermelho para Maria Dapaz, interpretando de forma soberba A Volta da Asa Branca.
Finalmente, o Índio Cachoeira, seguidor da escola de Tião Carreiro, Carreirinho e outros mestres, além de certa influência da musica tocada no Mato Grosso – Junqueirópolis fica quase na divisa daquele estado – e até do folclores andino, vide seu belo arranjo para Carnavalito (El Humahuaqueno). Lá pelas tantas reconhecemos nos trinados da viola algo que muito lembra a guitarra portuguesa, o fado. O Índio Cachoeira, cuja “formação” musical foi forjada junto as comunidades camponesas do Pontal, atua como legítimo porta voz de uma gente esquecida do nosso interiorzão: ao se mostrar como autêntico representante, as referências às nossas profundas raízes que remontam à Ibéria são inevitáveis...Ricardo Vignini, parceiro de palco e produtor de seus discos disse pouco antes da apresentação que ali estava o maior violeiro do Brasil. Estava certo.
Lembrando as palavras do genial Vital farias, a respeito do cantador Gilvan Santos, seu conterrâneo, digo do fundo da alma: “A música mestiça de Kátya Teixeira e do Índio Cachoeira é como chuva no nosso Ser-tão paulistano!”
Índio Cachoeira