Um toque parisiense
por Vanessa Fiúza
São Paulo se parece cada vez mais com Paris, não por seus monumentos, seu clima ou seu sotaque, mas pelas cenas do cotidiano e pelo comportamento de seus habitantes -do mau humor do vendedor ao taxista que se recusa a parar. A terra da garoa está ainda mais metrópole, mais crítica, mais exigente, mais objetiva e mais presente, com um novo olhar.
Lembro-me da época em que vivi em Paris e vejo as pessoas daqui com hábitos mais parisienses, trocando o supermercado do mês por pequenas compras diárias, qualidade maior, lixo menor, mais metrôs, menos vagas de estacionamentos, mais cafés e bistrôs (e menos fast food). Mais cultura e croissants. As simpáticas livrarias e as butiques de vinhos do mundo, os petits comités no lugar de festas para mil pessoas, a vida mais simplificada e não menos sofisticada.
Temos calendários mais arranjados, estamos mais próximos daquilo que nos dá gosto e aguça a sensibilidade. A fotografia, a dança, as salas de teatro, balés e até bonecos de verdade estão cada vez mais presentes aqui com suas plateias anônimas e frequência regular.
Nos bairros, durante a semana, moradores de Neuilly, que buscam uma vida menos cosmopolita, levam seus filhos à escola, e os vizinhos se tornam grandes amigos. Parece um pouco o Morumbi. Vejo também a Oscar Freire com clima não menos afinado do que Saint-Honoré; os cantos superdescolados, a Madalena daqui e a Madeleine de lá.
A personalidade de bairros como Higienópolis e Itaim Bibi, difícil de comparar, mas tão marcante quanto a do Quartier Latin ou a do Saint-Germain. Isso sem contar os ex- estrangeiros do Bexiga e da Liberdade que, como em Belleville e La Chapelle, são hoje parte integrante e de grande expressão na cidade.
Entre as coisas mais difíceis e mais sábias que aprendi com os franceses foi conviver comigo mesma. Foi uma ótima experiência: a solidão e o silêncio podem nos parecer desagradáveis, mas são o ajuste perfeito entre as reflexões e os acontecimentos. Para compensar, não me faltaram momentos de compartilhar, coisa que aqui eu também vivo: em um chá, um café, uma taça de champanhe, um piquenique, um almoço, um jantar. Motivos, sobretudo, para rir e conversar.
Vanessa Fiúza, 37, restauratrice e sócia do restaurante francês Chef Rouge, é a colunista convidada desta edição. Mora no Morumbi e trabalha nos Jardins. Estudou e morou em Paris em 1991 e desde então voltou à França dez vezes.
Fonte: Revista da Folha