Uma tarde qualquer da semana, um basta nos sempiternos compromissos supostamente inadiáveis e eis-me diante da bilheteria de um cinema! Antes, tempo para um café duplo, apesar de desejar mesmo uma cerveja. Mas a velha bebida que acredito tenha sido invenção bretã não é la muito recomendável antes de um filme, pois, dependendo do andamento, pode induzir ao indesejável – no momento! – sono.
Ir ao cinema é um acontecimento social acima de tudo: o burburinho, as conversas sutis entre amigas fofoqueiras, o jovem casal rindo de alguma traquinagem qualquer. Até o chato que leu a crítica e fica explicando o filme pra namorada sonsa que o olha embevecida, faz parte do contexto,digamos assim.
O lugar é o Espaço Unibanco, que lembra um pouco a magia do velho cinema de verdade: em cinema de shopping, só vou com meus filhos, confesso não ter mais paciência com gente grosseira que fala aos berros enquanto cospe guloseimas e derrama refrigerante nos assentos. No Espaço Unibanco ainda tem espaço para a garota solitária que pode dar-se ao luxo de ir ao cinema sem um bando de paspalhos a lhe dirigir cantadas cretinas.
O filme é “Bravura Indômita”, o clássico refilmado pelos Irmãos Cohen, cujo original deu o Oscar a John Wayne - que deveria ter ganho pelos papéis em Rastros de Ódio, Depois do Vendaval ou O Homem Que Matou o Facínora – desta feita estrelado por Jeff Bridges, o bom moço, da linha de James Stewart, Henry Fonda ou mesmo do pai, LLoydd. Jeff é daqueles artistas que causam grande empatia com o público, que sempre acaba torcendo por ele, pouco importa ser protagonista ou não. Honestamente, não acreditava que chegasse tão longe, pois sempre me pareceu discreto, satisfeito com o que fazia, sem fazer caras e bocas – ou quando o fazia, era proposital, como em O Pescador de Ilusões. A parceria com os Cohen prometia, pois os Irmãos são “artistas”, com direito até mesmo às manias, mesmo discretas, dos astros que são: disseram, por exemplo, que não assistiram ao file original. Conversa fiada ou charminho; claro que assistiram, mesmo que então não tivessem intenção de filmar. Como se aventurar por westerns sem ver os trabalhos de duas lendas do gênero, Wayne e Henry Hathaway?
Começa o filme e é muito interessante descobrir que não é necessário sequencias alucinantes de ação para nos fazer perder o fôlego: é bom ver atores de verdade, enredo de verdade, sem ligar para as bobagens do politicamente correto, essa praga ianque. Os protagonistas não são superseres, que levam balaços e continuam de pé, nem fazem acrobacias. O velho beberrão, o delegado vaidoso, os dois marmanjos que parecem mais imaturos do que a garotinha de 14 anos que os contrata para vingar o pai. Mas ao longo da convivência forçada, fortalecem laços como solidariedade, amizade, compromissos éticos para os quais não se precisa ler tratados para os compreender. E o ato heróico, que a meu ver simboliza a “bravura indômita” do título, não é a pontaria infalível ou a capacidade demolidora dos supostos heróis: é o velho que ao fim de uma desesperada cavalgada, carrega nos braços a menina picada por uma cascavél, cansado á exaustão, para tentar chegar ao posto médico que lhe salvaria a vida...
Os heróis não são glorificados. São vencidos pelo tempo e os fatos. Os momentos finais, embalado pela comovente trilha sonora, atinge o objetivo maior de um filme: emocionar.
Mal surgem os letreiros finais e a maioria se levanta, começam a sair. Eu tenho mania de ver tudo, é até mesmo um breve tempo de reflexão, enquanto finjo ler a extensa ficha técnica. A meu lado está um jovem casal que permanece sentado, tranquilamente. Assim que as luzes se acendem e me levanto, eles fazem o mesmo, e o olhar simpático que me lançam, me faz compreender que permaneceram sentados esperando que eu terminasse de ver tudo, não queriam cruzar minha frente. Ora, mas isso foi tão bonito quanto o filme! Me faz crer que ir ao cinema vale muito a pena, muito mais que ver o DVD na solidão de nossas salas de estar...