A primeira vez que Katya nos falou do novo disco e lhe perguntamos o título, ela arrematou: “Confraria!”, deixando entrever o confiante e espontâneo sorriso. E mencionou tratar-se de um encontro com Mochel, Chico Branco, Garfunkel e Perequê. Passaram-se os tempos, busca-se daqui e dali as raras informações e sabemos que o mesmo está no forno, ganhando sabor, temperos e capricho nos ingredientes que misturam violões de Ney Couteiro, o acordeon de Gabriel Levy, a viola de Noel de Andrade, rabeca de Thomas Rohrer, catireiros de Cananéia, batuques de Cássia Maria, baixo do Turcão e um vasto naipe dos mais renomados músicos desta terra.
Nós do ser-tão paulistano, tivemos a honra de uma entrevista exclusiva e a primeira pergunta foi sobre a razão do título, Confraria. Kátya fez um muxoxo e disse: “Ta em aberto. Tem confrarias de um monte de coisas.... Caberia mais um?”
Nobre e elegante como é, ela não usou as palavras a seguir, mas deduzimos que sua dúvida advinha do fato da proliferação do termo Confraria. Vulgarização, ou melhor, avacalhação. É confraria disto e daquilo e mais isto, para todo e qualquer ocasional ajuntamento de pessoas ou manias, dá-se o nome confraria!
Em se tratando de assuntos nobres e principescos, fui à procura do nosso consultor informal para assuntos monárquicos, Zé Mangabeira, que se diz legítimo Herdeiro do Trono do Brasil, cuja restauração promete para breve... Montei meu cavalo Murzelo Alazão e saí estrada afora. Dias e dias de viagem, até chegar aos domínios principescos. Seu novo palácio, casarão de pau-a-pique e nobres barros à prova do mosquito barbeiro, ergue-se no meio da caatinga, ornado com as bandeiras meio desbotadas do Brasil e o brasão dos Mangabeiras. Dois furiosos viralatas, ou melhor, Nobres Cães Guardiães, garantem a segurança, mantendo á boa distancia o assédio de paparazzos e chatos em geral.
Exposto o tema, Zé Mangabeira coçou a barbicha e vaticinou:
- Meu nobre súdito e futuro Ministro da Cultura, a quem talvez destine um vice reinado! Sou-lhe grato pela oportunidade de refletir sobre essas interessantes questões relativas ao valor das palavras! De facto, Confraria tem origem nobre: etmologicamente vem do francês confrérie, que por sua vez vem das junções das palavras latinas cum, que significa “junto”, e frater, que quer dizer “ irmão”. A palavra remete à confraternização, confrade, mas seu significado é ainda mais remoto, remete ás origens de nosso Reino do Brasil. Está na origem das Irmandades dos Homens, quer fossem pretos, pardos ou brancos. Está na origem, portanto, do sincretismo religioso de nossa terra. As associações fraternas, denominadas Irmandades, eram muito além do aspecto religioso, eram encontros sociais, promovendo festas e laços de solidariedade, fundamentavam amizades: afirmavam e fortificavam identidades culturais! As Irmandades – ou confrarias! – eram verdadeiras ilhas de democracia, com estatutos e primavam pela sofisticação, com itens que regulavam aos associados assistência médica, jurídica e financeira. Muitas Irmandades de negros reservavam recursos para a compra de alforrias. Naturalmente podemos lembrar os aspectos semióticos, os múltiplos signos, dos quais alguns usurpadores se aproveitam, mas que entretanto, não a invalidam!. Quando soube que a Eterna Musa Katchêrê pretendia dar ao seu novo trabalho o nobre nome Confraria, os decanos do saber vibraram e apoiaram, pois, não há melhor momento para recuperar o sentido, o valor, a integridade de algo que foi muito importante para a História do Brasil! Tenho dito!
Bem, palavra de Prinspe Herdeiro não se discute. Naturalmente cabe à Eterna Musa Katya Teixeira a escolha final. Entretanto, como se vê, conta com importante e prinspesco aval!
Mas, é como diz minha comadre Iara Fernandes, premiada escritora: Katchêrê é de TODOS NÓS, é a legitima voz do povo! NÓS E VOZES!
Antes de minha partida, num assomo sem igual de humildade e sabedoria, Zé Mangabeira recomendou-me que expusesse a importante questão ao Guru ZéMaria, memorialista do ser-tão, a cujos conselhos sempre recorre sobre as mais intricadas e pertinentes questões epistemológicas