O mundo do cinema em São Paulo não será mais o mesmo sem Leon Cakoff. Ele era mais que um “entendido” em cinema, no aspecto estético do mesmo; era daqueles que induziam as pessoas a gostarem de cinema e mais do que isso, a se interessarem pela arte que, segundo Eisenstein, era “a mais completa de todas as artes por englobar numa só praticamente todas as outras: teatro, literatura, artes plásticas, fotografia” e, a se levar em conta a evolução cinematográfica, a arte do designer, o uso do computador, da tecnologia digital, etc. Um apaixonado pelo cinema, mais que isso, uma espécie de filósofo da sétima arte, pois levava as pessoas a refletirem a respeito daquilo que viam nas telas.
Eu me interessei por cinema a partir da visão dos críticos. Naturalmente que há críticos e críticos – sabem muito bem o que quero dizer! Ao chegar em São Paulo no meio da década de 1970, vindo do Pontal do Paranapanema, sem muita vocação nem trejeito para curtir as baladas de então – a onda dancig explodiria na década seguinte – descobri o cinema e desde então passou a ser meu refúgio. A principio era apenas entretenimento, meus preferidos eram comédias e filmes de ação e aventura e posteriormente graças as dicas de outro grande crítico, o Rubens Ewald Filho, passei a me interessar pela construção cinematográfica e compreendi que as duas horas em média daquilo que via nas telas era apenas uma pequena parte de mil outras histórias que aconteciam atrás das câmeras. Na época, aos domingos na TV Cultura tinha um especial da dupla O Gordo e o Magro, apresentado pelo Rubens. Passei a não perder nenhum programa e das coisas que mais gostava era de ouvir as histórias minuciosas que ele contava antes e depois de cada curta, média ou longa metragem da dupla. Dentre todas, uma merece destaque: sabiam que o gordo Oliver Hardy quase fez dupla com o cowboy John Wayne? Chegaram a fazer juntos um filme, se não me engano em meados da década de 1950, antes de Wayne se consagrar definitivamente no papel de Ethan Edwards, em Rastros de Ódio, de John Ford.
Assim, foi graças aos bons críticos que descobri o cinema – e a arte em geral – como formas de se aprender muito sobre um país e uma época. Foi esse modo de pensar que me fez interessar pelo que se fazia além de Hollywood, mesmo reconhecendo que os americanos talvez tenham sido quem mais aprimorou a técnica. Passei a buscar outros tipos de filmes, de outros países, para fugir do protótipo americano. Não foi, como era muito comum na época, uma questão ideológica: foi, talvez, a busca por novos rostos ou novas linguagens. Sem as dicas dos críticos talvez não tivesse chegado a Trufault, talvez não tivesse me detido em Fellini, talvez não tivesse visto o filme que mais me impressionou até hoje: O Espírito da Colméia, de um diretor chamado Victor Erice.
A importância de Leon Cakoff é muito grande. Além do trabalho como crítico e os anos dirigindo o departamento de cinema do MASP, sem alarde, combateu a ditadura. Seu modo de combate, entretanto, difere de outros tantos: sua luta era sobretudo pela liberdade de escolha dos indivíduos. Temos idéia de como funciona o mercado cultural e que essa é das mais sutis e danosas formas de dominação. Quiçá tenha sido com o espírito da diversidade que esse formando da turma de 1972 da Escola de Sociologia e Política tenha sido levado a organizar a 1ª Mostra de Cinema de São Paulo ainda durante a ditadura, quando trazer filmes russos, chineses ou cubanos era muito mais difícil do que hoje se imagina... Mas a Mostra de São Paulo nunca foi um nicho ideológico, era muito mais do que isso: a oportunidade única de entrar em contato com o cinema que existe fora do circuito comercial e também a chance de cineastas brasileiros e latinos de mostrar o seu trabalho. Uma das inovações introduzidas por ele em relação a outros festivais mundo afora foi o prêmio do voto do público, que em 1977 premiou Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, de Hector Babenco.
No ano de 2011 comemoramos a edição da 35ª Mostra de Cinema de São Paulo. Leon Cakoff morreu mo último dia 14 de outubro. Fará muita falta, mas deixa um legado rico e importante. Esse armênio naturalizado brasileiro – nome de batismo Leon Chadarevian – colocou nossa São Paulo, nossa querida Sampa, na rota do cinema mundial, pois a Mostra já é das mais importantes do mundo.