A ARTE SALVA O ANO E HAVERÁ DE SALVAR O MUNDO!

Nesta que talvez venha a ser a última postagem de 2011, tempo para um breve, porém, nada sistemático balanço: ou melhor, uma rápida olhada num ano célere, que mal começou: ficou-me a impressão de que foi um ano com alguns meses a menos...
Ano de mulher presidente que governou com sobriedade e sapiência, mas nem sua sisuda cara de diretora de escola espantou os lacaios da corrupção milenar das terras brasilianas, não obstante a espantosa queda em série de ministros – com exceção do Jobim, que chutou o balde, os demais levam na testa o carimbo “suspeito”. Renovação? Veremos, veremos, tenho esperança! (Se o Brasil quiser de fato ser um dos condôminos do futuro do mundo, precisa com urgência combater a sério os alarmantes níveis de corrupção e investir muito, mas muuuito em educação. Depende dos políticos, dos juristas,mas principalmente de cada um de nós).

... precisamos mesmo de esperança, num ano confuso, com alegrias, mas também tristeza pela perda de amigos e gente importante do mundo das artes, gente que fará falta. Paradoxalmente, muito da esperança está aninhada eventos da Primavera Árabe, onde vendavais trazem alentos, mas também extrema violência.



Ao tirar o pó e mexer em coisas no fundo da mala, deparo-me com velhos amigos, meio esquecidos: Viola de Todos os Cantos, do Levi Ramiro e Vento Viola; O Clube da Esquina, do Milton e Lô Borges; Sonhos Guaranis, de Renato Teixeira; Espelho d’Água, filme que tem como mote as lendas do Velho Chico, produção de Carla Camurati; Desmundo, de tão real é quase um documentário. Rever essas produções é alento, pausa para ouvir e ver o que ainda dizem com sabor de novo: os clássicos não envelhecem!



Por falar em clássicos, fomos agraciados com excepcional safra dos nossos artistas do ser-tão paulistano: Ricardo Vignini e seu parceiro Zé Helder, do Matuto Moderno lançaram Moda de Rock, clássicos do rock arranjados para viola caipira, que deve estar entre os melhores lançamentos do ano e como prêmio, o instrumento vindo da Península Ibérica e que se tornou um dos símbolos de brasilidade, alça vôos e em janeiro deverá pousar em Nova Yorque para duas apresentações.



Poderiamos falar de muitos outros trabalhos, que não caberiam neste blog:mas vale a pena mencionar o novo CD de nossa Musa do ser-tão, Katya Teixeira, a quem nunca cansamos de assistir, ouvir e admirar. “Feito de Corda e Cantiga” é uma confraria musical reunindo um time de primeira: os compositores Giordano Mochel, Jean a Paulo Garfunkel, Luis Perequê e o “roseano” Chico Branco, mais uma arreunião – do verbo arreunir, criado pelo grande Chico Maranhão, espalhado pelo mundo por Doroty Marques – de músicos como Ney Couteiro, Ricardo Vignini, Thomas Rorher, Noel Andrade, Cássia Maria, etc., as presenças marcantes do guru ZéMaria, Daniel Figueiredo, Amauri Falabela, Marcello Pretto, André Venegas. É um trabalho que vai muito além da música para entretenimento: “tem o cheiro e a cor da terra”, como bem poderia afirmar Vital Farias; “são acordes vicejantes da alma de nossa gente”, como afirmou entusiasmado o empolgadíssimo Zé Mangabeira, com o qual concordou Joca Ramiro! Para ressaltar e ilustrar tais afirmações, conto abaixo uma cena, presenciada não faz muito tempo, num dos shows da Katya, na área de convivência do SESC Vila Mariana:



“Começa o espetáculo e um velhinho pareceu incomodado com a agitação inevitável do espaço, o entra e sai de passantes, gente indo ao restaurante ou á piscina, outros que em vez de educadamente dar a volta, insiste em passar pelo meio do publico e outros que adoram correr pela passarela de ferro, que une os blocos.

De cara amarrada e justamente indignado, o idoso se preparava para sair, visivelmente contrariado, como quem tem coisa melhor para fazer numa tarde de domingo do que ficar no meio daquela “confusão”! Já estava quase fora quando trinaram os acordes de um desses ternos de reis, incrementado com novos arranjos com viola, percussão, violão e as brincadeiras vocais que ela executa com peralta leveza, antes de encetar a letra propriamente dita. O velhinho deteve-se, como que fulminado por aquele sopro pungente da característica voz cristalina e, meio curvado, voltou-se na direção do palco, os olhinhos meio que piscando atrás das grossas lentes dos óculos. Sua expressão que continuava enfesada aos poucos se desanuviou e ele buscou uma cadeira vazia, onde sentou-se e pôs a mão no queixo, assim permanecendo, um quê de admiração e incredulidade pelo que via e ouvia. Vez ou outra, como que contrariando o dono, pés, mãos e cabeça moviam-se ao embalo dos trinados da viola, dos molejos percussivos, dos volteios vocais.

Que sensações, que lembranças aquele canto tradicional evocavam naquele octogenário, que num momento irritava-se com o peso dos anos e a seguir marcava passo, seguindo os ponteios com movimentos corporais aparentemente involuntários? Que magia transformou os singelos acordes e a pungente voz que o conduziram desde a ranzinice e o cansaço de uma existência certamente atormentada por artroses e outros aborrecimentos, de volta, outra vez – como diz a fábula! – ao menino que sempre pulsará em seu coração, que sempre estará à espera?
A música tem esse poder instantâneo de deslumbrar, ofuscar, pois sua reação é imediata, rasgante, visceral. Naturalmente só ocorre quando o artista é dotado do raro dom de sensibilizar e isso é muito mais do que técnica, é alma e coração.”

Assim, a arte cumpre seu outro papel: além de emocionar, louvar a beleza e lembrar sempre a origem divina da vida, igualmente tem o poder de transformar essa mesma vida, apontar novos horizontes, pois a descoberta é incessante...



Finalizando, 2012 promete: já está no forno, dourando, o disco do Noel de Andrade, denominado “Charrua”. Aguardem!

E:
para que não nos acusem de parcialidade, 2011 marcou a volta de Chico Buarque ao disco, num belíssimo trabalho. Mas deste, a grande mídia fala bastante


E. T.
Em qualquer balanço de 2011, não pode faltar a lembrança dos cursos de introdução à história da arte, no MASP, sempre ao primeiro sábado de cada mes (a começar por fereveiro) e a belíssima temporada da peça O Casamento Suspeitoso, de mestre Suassuna, no teatro do SESI.
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