"Tem problema", ainda,

Na conversa anterior a Dona Judith, minha mãe, obrigou-me a uma volta ao tempo com uma simples pergunta. A lembrança dos "loucos" dos tempos passados, dos "com problema", pessoas maravilhosas que nos ensinaram muito e só fomos entender a lição muito, muito tempo depois ou, infelizmente, ainda não entendemos.

Enquanto esse entendimento não chega "fico cá a matutar" que Dona Judith, caso viesse a São Paulo, ao ver as pessoas nas ruas chegaria à conclusão que muita gente "tem problema". Os celulares estão cada vez menores e muitas pessoas usam o fone de ouvido, também cada vez menor, e um minusculo microfone, conhecido como microfone de lapela. Já não me espanto quando vejo uma pessoa falando alto, discutindo com alguém e não vejo ninguém; a garota conversando baixinho, sorrindo, dividindo "segredos de liquidificador"; a mulher que dirige o carro falando tão alto que se ouve da rua e dá para identificar que está brigando com o marido; o que sorri, gargalha de alegria, dá pulo de satisfação ao ouvir uma notícia, uma confidência ou sei lá o que; o que fala fazendo gestos com as mãos, como que querendo mostrar alguma coisa, ensinando um caminho ao do outro lado. Nenhum destes "tem problema", apenas conversam, namoram, fofocam, brigam, resolvem suas questões, chegam a um acordo, enquanto caminham, esperam o onibus, dentro do onibus, metro ou trem e dirigindo seus carros deixando mais caótico e nervoso o transito. Dona Judith enxergaria ainda como pessoas com problemas aquelas que a toda hora sacam os celulares, impacientemene, para ver se tem mensagem. Ela acharia estranho ver em um restaurante a família à mesa, a mãe vendo televisão, o marido falando ao celular, os filhos enviando mensagens ou jogando e ninguém usando o momento para a velha e boa conversa familiar.

Pensando bem ela não precisa vir a São Paulo ou qualquer outra grande cidade, lá pelos lados do antigamente pacato interior a modernidade já chegou com o bom e o ruim das novidades. Por lá ainda pode encontrar o Gérsão que passa gritando pelas ruas, dá um bom dia ou boa tarde a quem vê, independente de conhecer ou não. Se for conhecido ele gosta de cumprimentar com um aperto de mão, aperto muito forte, tão forte que a depender da sensibilidade da mão do cumprimentado é melhor evitar, colocar a mão no bolso, segurar um guarda-chuva, uma sacola, segurar na mão do filho. O bom é que ele não insiste e segue na caminhada até o próximo incauto. É meu amigo, com muito orgulho de minha parte, e quando o encontro ergo as mãos em uma possível saudação indígena e que tem a sua reciprocidade. Fico livre do caloroso aperto de mão.

Fica a pergunta para o Joca: quem "tem problema" é o seu vizinho de bairro, o Zé Louco, que gosta de cumprimentar com um tapinha nas costas que pode até derrubar o homenageado, ou o Jonas que tem um aperto de mão quebra ossos?.
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