Já faz alguns dias que aconteceu, mas o som continua reverberando em nossos corações e mentes, de modo que se tornou "quase" uma necessidade orgânica escrever sobre o acontecido....
Foi ali, bem logo ali, no Lua Nova, esquina da Conselheiro Carrão com 13 de Maio, coração do Bixiga - lugar tão cara de São Paulo! - que volta aos bons tempos.
Ali, justo ali, num sábado gostoso, noitinha fresca, cercado de amigos, a poucos metros do palco: uma cantora de feições índias, um violonista cara de caboclo, gente como a gente, que encontramos por aí, Brasil afora: despojados e simples eles, assim como local, sem badulaques, plumas, enfeites: o glamour é a manifestação artística que vale por si e o público que nela se reconhece.
Aos primeiros acordes e frases, o despertar de uma energia incomum vibrando no ar: no toque e no canto, paixão, entrega, sinceridade. Certos de palmilharem terra firme e
conhecida, desfilam confiantes e seguros do que trazem, eles, viajantes
de mundos que nos trazem as boas novas - missão sagrada dos menéstréis! A cantora é Sabah Moraes, brejeira de voz profunda que transmuda para o canto forte, o violonista
é Ney Couteiro, que vale uma orquestra com suas 8 cordas.
A marajoara Sabah é de cantar fácil, a voz jorra, transborda por olhos, garganta, mãos, quadris, pés, somos todos levados a cantarolar com ela. Presença altiva, desfila no palco e por entre o publico, nos sentimos participes de toda aquela legião que traz consigo, os espíritos das matas, dos terreiros, dos mares caymmianos.
Sua interação com o público é autêntica, nada daquelas técnicas adestradas que levam fanáticos ao "delírio" e aos gritos histéricos, arte tornada coisa e comércio, praga moderna cuja eficiência superficial espoca como bolha de sabão, tempos de artistas de uma nota e um sucesso só;
Sabah olho no olho do publico, Sabah e o público, parceiros, andam juntos nos caminhos; Sabah que canta o povo que a canta!
Com ela, viajamos de ubá pelos rios do norte e Planalto Central, canoas de pescadores, cavalgamos por caatingas e cerrados, chapadões, adentramos terreiros e caímos no remelexo, no carimbó, nas cantigas de roda. E na dolência, no canto de amor, de dor e paixão, voz e corpo que transmitem o pulsar: puro sentimento, Sabah é alma e Ney o condutor, com infinita delicadeza, dosando ternura e vigor que cada ritmo exige: violão e voz caminhando de mãos dadas, nada se perde. (Não podia faltar, num rompante, clareando com força pujante, Facho de Fogo, impressionantes versos de João Bá e Vidal França, vibrantes imagens de povo guerreiro!)
O espetáculo foi curto, breve intervenção destinada a nos sacudir. Ficou doce na boca o gosto de querer mais. De lá, do Lua Nova, saímos agradecidos e esperançosos: o país e o povo que produz Sabah Moraes e Ney Couteiro, nos faz acreditar em mil, milhões de coisas de que somos capazes.