Flagrante da vida real.

Para autorizar a construção do templo da igreja a prefeitura de São Paulo equiparou o projeto a um estádio de futebol. Foram necessárias aberturas de novas ruas e mudanças de mão de direção para receber centenas de fiéis, carros particulares, onibus de várias partes da cidade e do país. Localizado no bairro do Cambuci, um dos mais antigos e próximo ao do Ipiranga, "berço da nossa independência", próximo do Centrão o templo está ao lado da avenida do Estado que faz a ligação da zona norte com a zonas leste, sul  e as cidades do ABC e tem um transito difícil, principalmente de caminhões.

Foi no aniversário de cincoenta anos da igreja com milhares de pessoas, vindas inclusive de outros estados e países, que participaram de caminhada pelas apertadas ruas e das cerimonias no templo que Brenda desapareceu. Estava acompanhada de dois irmãos e da mãe que não percebeu logo o desaparecimento. A policia foi chamada e inciou as investigações enquanto a mãe deixou o emprego de diarista para procurar a filha. Alex Ramos de Carvalho mora na mesma rua da família de Brenda, no tradicional bairro da Móoca que é próximo ao do Cambuci e ao Centrão, e trabalha em uma bomboniere na rua Vergueiro, bairro da Liberdade dos japonezes, coreanos e chineses e que também é vizinho do Cambuci, da Mooca e do Centrão.

Alex estava na entrada loja, fazendo reposição de estoques, quando viu um senhor carregando no colo uma menina que ele de imediato reconheceu como sendo a Brenda. Alex  declarou à Folha: "Conheço Brenda desde que nasceu. É que somos vizinhos. Meu padrasto, que é pintor, foi à Bahia. Minha mãe, empregada doméstica, morreu quando eu tinha 12. Meu pai nem sei quem é. No fim de semana estive em Aparecida, com amigos. Fizemos uma corrente na sala dos milagres para essa menina. Levei até uma foto. Às vezes, toco bateria na igreja, mas não sou religioso. Estava conversando com minha patroa sobre a viagem quando olhei pra rua e vi a Brenda apontando o dedo pra mim. Magra, suja, de touca e com o cabelo recortado. Foi um milagre, era para eu estar no depósito. Fui correndo e encontrei os dois parados na lanchonete ao lado, pedindo comida. Nervoso, falei alto: "Essa menina você roubou". O desconhecido, que parecia um morador de rua, respondeu: "Não, é minha filha, vou buscar o RG dela na carroça". Daí, de repente, ele saiu correndo. Agarrei a menina para ele não levar." 

Brenda foi entregue à mãe, passou por exames médicos que atestaram estar em perfeitas condições. Contou à mãe que passou fome e sede e dormia na carroça do homem, catador de papéis, que a sequestrou.

"Tenho 17 anos, sou órfão, analfabeto e trabalho como repositor de estoque numa bomboniere. É meu segundo emprego. O primeiro foi de camelô, na 25 de março. Mas cansei de correr do "rapa" (batidas policiais). É claro que me senti um herói. Mas por várias vezes já chamei ambulância para ajudar, quando vi acidente na rua. Meu sonho era ser bombeiro, mas vai ser difícil. Às vezes, fico pensando na vida, vem tudo, o serviço, minha mãe, esse negócio da alfabetização, caramba, tudo numa pessoa só, foda. Para mim tudo continua na mesma. Quem agora precisa se salvar sou eu."  

Em uma cidade com dez milhões de habitantes a Brenda é o pássaro que procurou  segurança em um galho de árvore para se salvar; Alex o galho da árvore que estava preparado para recebe-la e salva-la..      


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