Naqueles tempos os primeiros conhecimentos foram
transmitidos oralmente, primeiro pelos pais, os parentes mais
próximos e os vizinhos, sempre os mais velhos. Os pais, principalmente o
pai, não eram de muito falar e a gente aprendia pela observação e pelo exemplo. E
como aprendia, aprendizado que trago até hoje e que agradeço todos
os dias. Depois era o curso primário, as primeiras letras, tempo em que
se aprendia o ABC e a imagem da primeira professora, a Dona Nair Rangel,
ficaria gravada para sempre.
Na sequencia, da minha infância e memória,
vem o amigo e companheiro que me acompanha até hoje. Eram tempos em que
quem possuia rádio era respeitado e todo fim de tarde,
início de noite, os vizinhos iam chegando para ouvir as notícias do
Repórter Esso. Vizinho com mais condições econômicas também tinha o toca disco no mesmo móvel do rádio e que era chamado de rádio vitrola.
Era enorme, gabinete de madeira pesada e da primeira qualidade, para acomodar também os
elepês.
Uma tarde após chegar da lida de operário da Anderson Clayton,
Seu Octávio, meu pai, anunciou que estava em negociação para adquirir um rádio de segunda mão de um colega da fábrica de óleo, que
tinha "subido na escala social" ao comprar uma rádio vitrola. Foram
alguns dias de muita expectativa até a chegada do enorme Pionner,
carregado nas costas pelo Seu Octávio, e acompanhado pela garotada da
vizinhança que eu havia "convocado" para a recepção. Antes da primeira
audição foi necessária a colocação da antena, que era uns dez metros de
fio de cobre estendidos do beiral da nossa casa à do vizinho, o Seu José
de Arimateia, a uma altura de uns cinco metros.
O primeiro rádio em
casa a gente jamais esquece e desse momento em diante vieram os
primeiros cantores e cantoras do rádio, programas de auditório, novelas,
notícias e transmissões de jogos de futebol. Imaginar o que os
locutores falavam, imaginar como seriam os personagens das novelas,
imaginar como seriam físicamente os donos e donas da vozes maravilhosas.
Ouvir que o Brasil foi campeão mundial de futebol; que o presidente
Janio Quadros renunciou, os militares não queriam que o vice Jango
Goulart assumisse e o governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola
inciou a campanha pela legalidade para exigir a sua posse; que o
presidente dos Estados Unidos foi assassinado; que os militares haviam
deposto o presidente Jango; que homem havia pisado na lua. Ouvir os
festivais da Record e comentar no outro dia sobre quem "havia ganhado"
os primeiros lugares.
Ouço rádio diariamente, desde os bons tempos, e a primeira ação ao chegar à cozinha para preparar o café é ligar o "aparelho", que já está sintonizado na Rádio Bandeirantes, ouvir as primeiras notícias e as vozes amigas dos locutores e apresentadores.
Dia destes fui ao Pacaembu assistir a um jogo do meu Santos Futebol Clube, pelezista sim e com muita honra, e em vez do glorioso radinho de pilha "colado na orelha" ouvi a transmissão, em FM, pelo aparelho celular com direito a fone de ouvidos e tudo. E pensar que a menor válvula daquele pioneiro Pionner era no mínimo dez vezes maior que o aparelho celular.
Como não sou de ficar chorando pitangas pelo cantos foi a minha homenagem aos noventa anos da primeira transmissão de rádio no Brasil e para saudar o vovô que continua jovem e atualizado.