Eu
tinha apenas quinze anos. Naquela época, meus ídolos não eram
nacionais. Eles vinham de paragens distantes, da Inglaterra e dos
Estados Unidos da América: eu era adepta do rock and roll.
Moradoras da Vila Carrão, bairro da zona leste de Sampa, eu e minha
melhor amiga, Cris, frequentávamos um salão de rock que ficava ali,
perto de casa, na “Guilherme Giorgi”, numa antiga fábrica. O salão de
rock chamava-se “Heavy Metal” e gostávamos mesmo de “bater cabeça” ao
som de “Black Sabbath” ou “Led Zeppelin”. Com exceção de Raul Seixas e
algumas bandas de rock nacional, meus interesses musicais e
comportamentais eram totalmente voltados às bandas inglesas e americanas
dos anos sessenta e setenta. Do Brasil, nada me interessava.
Até que um fato, acontecido em 1980, viria a mudar totalmente a minha concepção musical. Era uma noite comum. Eu e minha amiga Cris nos preparávamos para mais uma noitada de rock and roll.
Na sala, minha irmã, dez anos mais velha que eu, assistia na TV um
festival de MPB. No Brasil, ainda imperava a ditadura militar, já numa
fase de abertura política, com os artistas, aos poucos, voltando a se
expressar livremente, mas tais assuntos pouco ou nada interessavam a
nossas mentes adolescentes. No entanto, ao passar pela sala, alguém que
cantava na TV acabou por me chamar a atenção. Era um homem jovem e
bonito. Ele tinha os cabelos longos e enrolados como meus amigos do rock and roll,
mas cantava umas coisas diferentes, palavras estranhas aos meus
ouvidos, que eu não entendia muito bem, mas com as quais, mesmo assim,
de forma intuitiva, sentia perfeita identificação. Ficaram para sempre
na minha lembrança coisas que ele dizia, bem como a forma como cantava: “trabaiando prá barriga e cantando inté morrer”.A
música era “O Pinhão na Amarração”, de Elomar e o intérprete, Dércio
Marques. Naquele momento nascia um carinho especial, uma admiração, um
amor incondicional de fã que iria me acompanhar por toda vida e que iria
mudar minha maneira de encarar meu país e minhas raízes culturais.
Passei a gostar da música brasileira e também a me interessar pelas
coisas que aconteciam no meu país.
Assim como de outros artistas
alternativos, procurei conhecer a obra de Dércio Marques, comprando seus
discos e vendo seus shows sempre que possível, alguns deles realizados
no Bar do Frango, verdadeiro reduto da música regional, encravado na
zona leste de São Paulo, local que logo eu viria a frequentar. Tive a
chance de conversar com Dércio Marques uma única vez, no ano de 2002,
num outro reduto cultural, o antigo Espaço Cultural Arma da Crítica,
que ficava no bairro de São Mateus. A conversa foi sobre natureza e
música, os assuntos prediletos de Dércio e fiquei muito feliz quando ele
me autografou, de forma carinhosa, o encarte de Monjolear.
Essa
história bonita poderia terminar de forma triste. Isso porque, no ano
passado, no mês de junho, Dércio se foi, deixando um imenso vazio no
coração daqueles que amam a sua música. No final deste mesmo ano, o Bar
do Frango, onde ele gostava tanto de cantar e que funcionava num imóvel alugado há 25 anos, esteve às portas da extinção porque os proprietários resolveram vender o imóvel. Mas
o que seria um final triste converteu-se num começo feliz.Um grupo de
amigos resolveu comprar o imóvel onde funcionava o bar, através de
financiamento da Caixa Econômica Federal. Como o terreno é grande,
surgiu também a possibilidade de um espaço cultural nos fundos, sendo o
nome de Dércio logo lembrado, tendo em vista ser ele amado pela maior
parte dos frequentadores do lugar. Assim, o Bar do Frango sobreviveu
e... Dércio Marques vive em todas as ações realizadas em prol da
preservação de sua arte, em especial, na criação do Espaço Cultural
Dércio Marques!
Desta forma, no mês de julho, serão realizados shows
solidários de inauguração, para ajudar cobrir as despesas iniciais da
compra do imóvel, que são muitas, como reforma, despesas de cartório,
exigências da CEF, etc. Os músicos tocarão em prol de uma causa, sem
cobrar cachê. Cada ingresso vendido é uma contribuição para que o espaço
seja possível. Então, a ideia é mesmo de mutirão: desde a limpeza,
pintura e organização do espaço, passando pela generosidade dos músicos
que estarão nos presenteando com sua arte nos shows de inauguração, até
chegarmos à contribuição de cada pessoa que comprar um ingresso para
qualquer um dos shows. Cada ingresso vendido representa a participação
de uma pessoa na construção de um grande projeto em prol da cultura
brasileira. São etapas da construção!
Soninha Gomes
A paulistana Soninha Gomes, bacharel em Direito e mestre em Filosofia Política, faz parte do grupo de fundadores e organizadores do Espaço Dércio Marques, entidade cultural que tem por objetivo, além de manter viva a arte do cantador, implementar projetos ligados à valorização da cultura popular brasileira. Quando sobra um tempinho, produz, de forma despretensiosa, textos que manifestam sua visão de mundo, como esse que acaba de concluir.
Espaço Cultural Dércio Marques
Shows
Solidários de Inauguração
06/07: Daniela La Salvia, Grupo Tarumã e Edvaldo
Santana -
13/07: João Bá, Antonio João Galba e Katya Teixeira -
20/07: Amaury
Falabela, Carlos Stasi e Guelo e Vidal França.
Sempre a partir das 21 horas.
Ingresso-solidário: R$ 65,00.
O
Espaço Cultural Dércio Marques fica na Avenida São Lucas, 479, São Paulo
Acesse o site: http://www.espacoderciomarques.com.br/
contato@espacoderciomarques.com.br