Eduardo Lima
A Grazziella Hessel, cantora de voz belíssima, compartilhou a arte acima, de autoria do Eduardo Lima. Imagem das mais belas de Lampião e Maria Bonita em contraste a quase tudo que nós conhecemos do casal, que infelizmente para muitos é a imagem da violência. Em um comentário sobre a foto foi questionada a "meiguice e a fofura" ali representada quase que afirmando que não era sim na realidade do sertão e da violência em que viveram. Lampião, de nascença Virgulino Ferreira da Silva, viu membros de sua família serem assassinados por fazendeiros que tomaram as terras de seu pai. Virgulino reagia ou também seria morto.
Lampião desenhava as suas roupas,
mochilas, mucutas e chapéus e a dos demais cangaceiros juntamente com
Maria Bonita. Uma maquina de costura fazia parte dos pertences que
transportavam nas caminhadas. Lampião, Maria e os demais gostavam de se
vestir bem, bonitos e elegantes, gostavam de se perfumarem. Volta Seca,
um dos cangaceiros, era compositor, sanfoneiro e cantor e animava os bailes. É o autor da conhecida e cantada por todos Acorda Maria Bonita.
Neste vídeo imagens do cangaço e a voz de Volta Seca cantando Acorda Maria Bonita.
Aqui imagens feitas por Benjamim Abrahão. Pena que a trilha musical, embora bonita, lembre os filmes de Sérgio Leone e os seus western spaghettis. Tanta musica boa no Brasil.
Reproduzo o texto, anteriormente publicado neste Ser Tão, do sempre brilhante, inspirado e profundo conhecedor Joel Joca Ramiro, um fã de carteirona,
como eu de Lampião. Destaque para o trabalho do Benjamim Abrahão.
"A propósito do lançamento dos livros Lampião, O Sertão e Sua Gente (Jorge Vieira Camelo Filho) e Cabeças Cortadas (Antonio
Amaury Correa de Araújo), anunciados e comentados logo abaixo, fazendo
voltar à baila Lampião e o fenômeno do cangaço, vale algumas palavras
sobre a figura do sírio-libanes Abrahão Benjamin. Foi uma figura
singular, esse árabe que chegou ao Brasil fugindo de servir na Primeira
Grande Guerra e na nova terra, precisamente no Recife, tornou-se
mascate, embrenhando-se sertões adentro, acompanhado de dois burros,
carregando malas onde se vendia de tudo – tal qual n’A Venda de seu Lidirico,
do Milton Edilberto
Mostrando uma versatilidade muito conhecida de
todos nós daqueles povos do oriente, Benjamin foi secretário do lendário
Padre Cícero Romão Batista, quando teve a oportunidade conhecer
Lampião, quando o mesmo no ano de 1926 foi tomar a benção do padre, para
a empreitada para a qual tinha sido designado, a de perseguir a Coluna
Prestes, evento que acabou não se consumando...Parte da trajetória de Abrahão Benjamin pode ser acompanhada no filme Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira (diretor do premiado Árido Movie),
interessante versão da vida do cangaço que, apesar de contestada pela
neta de Lampião, Vera Ferreira, não creio ser despropósito: em conversas
com antigos sertanejos – meus pais eram do sertão pernambucano –
falava-se que os cangaceiros gostavam de usar perfumes, sendo que às
vezes a passagem dos mesmos por determinado lugar poderia ser denunciada
pelo forte cheiro de perfumes que usavam em abundância..
O maior feito
de Abrahão foi sua decisão de documentar em película a vida do famoso
cangaceiro. Por duas vezes esteve entre o bando, sendo que a primeira
incursão foi cercada de algumas curiosidades. Lampião admirou-se de sua
coragem e criatividade, quando do primeiro encontro: “Como é que
chegaste até aqui com vida, cabra véio?”, ao deparar-se com o atrevido e
corajoso árabe com equipamento fotográfico, sozinho nas brenhas da
caatinga – Benjamin fora levado ao “capitão” Virgulino pelo “cabra”
alcunhado Sabonete. E Lampião, cismado como só um cangaceiro que
sobreviveu por vinte anos às perseguições de inimigos vários, desconfiou
que na máquina pudesse ter uma arma e assim fez o árabe se postar
diante da câmera para testar o equipamento, o que o sorridente sírio fez
sem pestanejar, ganhando
assim, a confiança de todos.Benjamin não era fotógrafo ou cineasta. Só
tinha a cara e a coragem, mas intuía que faria um registro épico que
ficaria para a história. As fotos onde ele aparece com Lampião e Maria
Bonita foram clicadas pelo cangaceiro Juriti e dizem os entendidos que
são melhor focadas do que as que Benjamin clicou. Porém, os poucos
minutos filmados – cerca de 15 – e mais ou menos 70 negativos que
puderam ser recuperados são registros preciosos, dando idéia da vida no
cangaço, no próprio ambiente onde reinavam absolutos: a riqueza dos
trajes, os bailes improvisados e animados por pé-de-bode, o hábito de
Lampião se deixar mostrar lendo revistas ou jornais, o que pode ser
compreendido como tentativas de mostrar uma imagem diferente do
bandoleiro sanguinário, inimigo do povo e do governo, forjada pela mídia
da época; ou Lampião, talvez, simplesmente fosse um homem que gostava
de ler jornais ou revistas e assim, se inteirar do que acontecia no
mundo... Fato era que o cangaço com ele superou o regionalismo
nordestino, ganhando destaque mundo afora.... Ah, se aquele tar de
AlCapone aparecesse na caatinga! Ele veio? Pois, sim! Num era bobo....
O
cangaço com Lampião ganhou uma dimensão totalmente diferente dos
cangaceiros que o antecederam: Sinhô Pereira, Lucas da Feira ou Jesuíno
Brilhante, dentre dezenas de outros de menor expressão. Modernamente,
podemos até dizer que Lampião fez seu marketing pessoal, utilizando-se
dos recursos da modernidade. Mas essa mesma modernidade facilitaria as
perseguições ao bando – as tropas volantes por vezes se utilizavam de
caminhão ou mesmo ônibus-jardineiras, pelo que se diz – consumando-se no
massacre de Angicos, dois anos depois das filmagens feitas por Benjamin
Abrahão, na sua segunda incursão nas caatingas...Sem que se possa
compreender – pelo menos aos olhos dos dias atuais – as filmagens e as
fotos de Benjamin dos cangaceiros eram incrivelmente mal vistas pela
imprensa governista, pelo próprio governo e principalmente pela polícia.
Tinha ares de escândalo o fato de um árabe meio maluco se infiltrar nos
sertões e fotografar e filmar os cangaceiros na maior festança e
folgança.... Os negativos foram confiscados pelo DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda), a maioria se perdeu. Abrahão Benjamin foi morto
em circunstancias jamais esclarecidas – 42 facadas, por um suposto
ladrão, que nada levou de Benjamin, pois ele nada possuía de valor
consigo -, em plena vigencia do Estado Novo."