Muito se publicou nas redes sociais do show do último domingo, 03/11, no Espaço Cultural Dércio Marques, com Antonio Pereira. E com competência, ateste-se que Soninha Gomes e Oswaldo Higa desfilaram suas penas na medida exata, sem exageros emotivos – pois que a tentação era muita! – tendo em vista quem estava em cena. Poucas vezes li algo de maneira tão objetiva, a emoção contida, entretanto, abundante!
Retorno aqui, com uma palavrinha, não com a intenção de acrescentar o que quer que seja; se fosse, diria apenas: assino embaixo o que disseram Higa e Soninha, ou, vejam as fotos, vejam a alegria e cada um, julguem por si! O que quero ressaltar aqui é que ninguém passa incólume quando entra em cena João Bá. A competência de Antonio Pereira, sereno e seguro no palco, secundado por Márcio André já era o bastante para garantir o evento como inesquecível. Mas com João Bá em cena, tudo se altera, o mundo vira de pernas pro ar, pois a sina do Bacurau cantante é surpreender sempre. Passado dos 80 aninhos, não perde o jeito de menino arteiro: senhor do palco nos minutos em que esteve em cena, ao cantar em duo Cachoeira do Aracá, ergue a longa cabeleira de Pereira, como a imitar as águas cadentes! O abraço emocionado de ambos foi de irmãos, de pai e filho, de parceiros, de amigos, de almas gêmeas, mas sobretudo, de dois gênios de nossa música! Juntemos a Mata Atlantica e a Floresta Amazônica, o “Uirapurú Disfarçado de Gente” e “O Bacurau Cantante”, e o mundo explode em fogos de artifício sob forma de música!
Do show em si, ficou-nos uma tremenda expectativa pelo novo disco de Pereira, com a participação do violonista Marcio André, músico inusitado a quem cabe perfeitamente a alcunha que Pereira num dado momento lhe concedeu: mago das 8 cordas. Correto seria um especialista tentar decifrar e nos fazer compreender o que faz Marcio, para quem as 8 cordas é muito mais do que o território de onde se extrai arpejos e acordes. A impressão que nos fica é que Marcio decompõe as notas e acordes e as distribui ao longo da melodia, tais como pinceladas soltas.
Ver e ouvir ambos é comungar harmonias, que eles generosamente distribuem. O público os segue, não apenas cantando junto ou batendo palmas, mas singularmente atraído pelo colorido. Pereira, músico experiente, forjado na rígida escola dos músicos populares de bares e casas noturnas, onde desde sempre se impôs na quase impossível tarefa de agradar a todos sem cair na fácil armadilha que seria oferecer sua voz poderosa e um vasto repertório. Entretanto, impôs desde sempre sua personalidade musical, sua “pegada”, como ele próprio se define sem falsa modéstia. Provocar Antonio Pereira não é tarefa amena, mas Márcio o fez, modestamente, como ele parece querer dizer com sua cara larga e simples de bonachão. Ele pontua, pincela, dilui a nota e a distribui ao longo da melodia, sem perder pé, sem descolorir.
Parentêsis: que me perdoem se cometi deslizes. Procurei somente descrever o encantamento de que fui tomado; as cenas descritas foi, digamos, minha viagem. E segue o convite para que oiçam e avaliem por si próprios... Aguardemos, pois, a chegada do CD!
“Às vezes, o som provocado pelo seu dedilhar nas cordas nos remetia à visão do correr das águas entre as pedras de um riacho...” (Oswaldo Higa, escritor e jornalista, sobre Márcio André)