A viola caipira, instrumento de origem européia que encontrou solo fértil no Brasil, nos últimos tempos alentou um vigor extraordinário e seu uso e adaptação para outros estilos musicais, que não a moda de viola,o cururu, a catira, o pagode e outros, tende a revelar que seus recursos estão numa fase ainda incipiente. Para se ter uma ideia do quão ainda falta, é praticamente nula sua participação em orquestra sinfônica – não conheço nenhuma peça sinfônica que tenha a viola como solo, ao contrário de seu parente violão, largamente utilizado: Vila Lobos, Joaquim Rodrigo, John Willians, Ginastera, Eduardo Falú, etc. Aí, pois, o desafio: a viola é perfeita para a narração de epopéias, sagas, seu timbre característico convida à reflexão ou a pura contemplação de quem aprecia uma história repleta de andanças, bailados; ao som de viola se pode flutuar alegre ou mergulhar no êxtase . A inexistência – até hoje – creio que se deva ao desconhecimento, talvez preconceito, pois, até uns 30 e poucos anos atrás, a viola era desconhecida do grande público, especialmente erudito. Mas sabemos que é estudada e ensinada por professores como Ivan Vilela e Adelmo Arcoverde. Daí para a sinfonia, um pulo: e pra purista nenhum botar defeito, de qualquer das partes.
A viola caipira, singela e charmosa, é extraordinariamente versátil, se dá bem com todo mundo: acordeon (Toninho Ferraguti e Neymar Dias), violino (Victor Batista e Galba). No mais recente trabalho de Consuelo de Paula, O Tempo e o Branco, obra que flerta o erudito e o popular, junta acordeon e voz – quem ouvir, jamais esquecerá, será um marco na discografia nacional.
No distante passado, reinou soberana, ora solitária ora em parceria com a rabeca, no gênero que predominou no nordeste por séculos, o Repente e suas variantes. Após um período de ostracismo, quando ficou restrita à uns poucos aficcionados da música de raiz, por vo9lta dos inícios da década de 1980 chamou a atenção de jovens instrumentistas – Almir Sater, Paulo Freire entre os tais – e desde então, tem se tornado cada vez mais conhecida e utilizada. Até com o rock a danada se meteu. A banda Matuto Moderno, pioneiros na eletrificação da musica caipira, meteram junto a violinha; depois a dupla caipira/roqueira Ricardo Vignini e Zé Helder protagonizaram o desafio de trazer o rock para a viola: Iron Maiden, Hendrix, Metallica, etc. E agora, Vignini, juntamente com o mestre violeiro e luthier Índio Cachoeira, compôs especialmente um rock para viola: “Viola de Chumbo”, presente no CD da dupla inusitada: Viola Caipira, Duas Gerações.
A viola brasileira - caipira, nordestina - com seus formatos variados, de dez ou doze cordas, suas afinações características regionais, passou ilesa por todas as modas, serve a múltiplos gostos e situações: é associada à simplicidade bucólica da vida rural; é romântica; é arretada, sabe ser braba nos desafios – vejam a obra de Elomar, O Auto da Catingueira, na parte final, As Violas da Morte; bota pra quebrar, como convém a Era Moderna que vivemos: a violinha se adapta á vida e ao meio. Seu encantamento é tal que novos instrumentos surgem baseados em sua características sonoras: a cabacítarra, originalmente chamada viola-se-cabaça, fruto da criatividade dos músicos isolados nos rincões do país, agora aperfeiçoada pelo luthier , violeiro, compositor, contador de causo, Levi Ramiro; a craviola, projetada por Paulinho Nogueira, como o nome sugere, é uma mistura de cravo e viola, que nas mãos do mago Stênio Mendes atinge dimensões transcendentais: oiçam (ou vejam no youtube), A Invasão dos Monges e entendam melhor o que quero dizer. Esses são apenas dois exemplo, a fonte jorra abundante!
Algum dia, num distante futuro, quando a Era Moderna viver seu ocaso, quando todo o deslumbramento da sociedade de consumo tiver se esvaído junto com todos os seus símbolos, um som de viola será ouvido. E o mesmo soará incrivelmente familiar: o homem do futuro buscará suas origens, o principio de tudo...
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