FUTEBOL BRASILEIRO: UM MITO???

A derrota brasileira para os alemães por humilhantes 7X1 talvez tenha selado o fim de uma era do futebol brasileiro, processo que oscilou lentamente entre crises técnicas e conquistas esporádicas, todas denotando às vezes clara outras obscuramente, uma mudança de mentalidade do esporte que sempre se confundiu com a singularidade característica da sociedade brasileira esboçada por Gilberto Freyre, Caio Prado e Sérgio Buarque nos nem tão distantes anos 30; falando do futebol especificamente, o processo de "desfazimento" de mentalidade se arrastou ao longo das três últimas décadas. Não o foi pela derrota em si, pois a mesma “faz parte do jogo”, abarca um imenso volume de imponderáveis componentes do próprio esporte; o ponto xis, a marca indelével está cravada nos inacreditáveis 7 x 1, coisa impensável, anormal; algo monstruoso que era alimentado nos escuros subterrâneos do futebol foi finalmente catapultado para a realidade, que todos, jogadores, técnicos, torcedores, até os adversários assistiram estarrecidos a terrível aparição. Tal fato acho relevante, pois o futebol de muitas maneira reflete a singularidade da cultura do país, do meio social, onde é largamente praticado.
O fim de uma era, que talvez, inconscientemente tenha levado o jogador alemão Podolski se manifestar através de uma rede social que “...o mundo do futebol deve muito ao Brasil”, pois gerações inteiras ao redor do mundo se formaram tendo como exemplo de perfeição o futebol brasileiro. Mas nada dura para sempre e nesse caso o processo de transformação não foi súbito. Quem acompanha futebol deve ter percebido os sinais, às vezes explícitos, outras nem tanto: o mais comum era se falar do futebol com ares nostálgicos: toda vez que surgia um jogador talentoso do estilo clássico, se costumava dizer “..um meia à moda antiga.” Se disse isso desde Ailton Lira até Paulo Ganso, os tratando como espécies em extinção.
Os craques de futebol até princípios da década de 1980 tinham certa proximidade junto ao torcedor, mais ou menos equivalentes aos deuses da Grécia Antiga (deuses humanizados por seus caprichos "quase" humanos), sendo comum os encontrar pelas ruas ou vê-los dirigindo seus próprios carros. A partir do momento em que o futebol se tornou um negócio multimilionário, com a entrada em cena das multinacionais Nike e Adidas investindo pesado nas ligas inglesa, alemã, espanhola e italiana, não por acaso, os mais organizados, o “jogo” futebol se tornou espetáculo midiático e seus praticantes astros comparáveis às estrelas pop da música e do cinema. Se no passado crianças em suas brincadeiras imitavam seus ídolos nos campinhos varzeanos, a partir de então se tornaram matéria prima bruta, organizadas por “especialista” como numa linha de montagem, usando para tal não somente a observação direta dos velhos “olheiros”, mas a ciência (é conhecida a história do argentino Messi, recrutado pelo Barcelona aos 11 anos de idade). Não é incomum a expressão viveiro de craques ao se referir a clubes que tenham boa estrutura nas chamadas categorias de base.
O momento em que prevaleceu a organização empresarial, selou definitivamente o futebol que tinha sua origem na mística figura do “moleque primordial”, a imagem associada e escondida na alma de cada boleiro, que teve nos aparentemente irresponsáveis Garrincha e Romário sua maior expressão, dentre outros. Não que o “moleque” tenha desaparecido, mas ele foi domado, enquadrado, “profissionalizado”. O habilidoso Neymar é uma viva encarnação do “moleque”, porém, antes dos 13 anos já recebia um salário que permitia à sua família ter uma vida confortável, só comparável aos astros do passado ao fim de uma carreira bem sucedida... Para justificar o primeiro grande contrato milionário do jovem Neymar, o folclórico presidente do Santos, Luis Álvaro, definiu o então mirrado e feio adolescente como sex symbol e como alguém "capaz de qualquer coisa"; como a confirmar suas previsões, em poucos meses, ao custo de tratamentos estetizantes Neymar se transformaria em astro de primeira grandeza, obedecendo aos mais rigorosos padrões de beleza exigidos no mercado publicitário. E em questão de meses, efeitos especiais o tornaram uma espécie de super herói gatactico, figurando ao lado dos igualmente astros Cristiano Ronaldo de Messi. Os astros do futebol ganharam definitivamente o status de vedetes. Para efeito de comparação simbólica (e simplória, dada a distancia espaço-tempo) o craque Pepe, do Santos, no auge da carreira, quando o clube era o melhor do mundo, se locomovia para sua moradia em São Vicente de onibus...
O futebol, enfim, deixou de ser um jogo lúdico, uma brincadeira, algo divertido para os praticantes e apreciadores; os torcedores de hoje não gargalham com as presepadas de Garrincha, mas entoam cantos de guerra. No negócio milionário, o que interessa mesmo é a vitória, que deixou de ser simbólica: os milhões investidos em publicidade é o combustível para uma verdadeira guerra mercadológica. Nesse ambiente, mais propício a gladiadores, a figura paternalista do técnico/orientador sai lentamente de cena para dar lugar ao manager, uma espécie de mágico, dublê de professor, psicólogo, motivador, empresário, admistrador e gerente, fazendo largo uso de técnicas motivacionais desenvolvidas em tempos de guerra reais.
Nesse novo cenário, não cabe mais a figura do “moleque”. O mesmo deixou os campos e entrou para o reino da imaginação, tão “real” quanto o Curupira e o Caipora frente a uma paisagem devastada... A torcida brasileira curiosamente já percebeu isso: o descampado das matas e cerrados tem o seu equivalente nos estádios vazios dos nossos campeonatos regionais e mesmo o campeonato nacional, considerado entre os mais competitivos do mundo...
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