TOP DEZ 2015

Imagine-se um grupo de amigos, reunidos de maneira totalmente descontraída, num lugar qualquer e juntos façam um balanço do que melhor aconteceu em nossa cidade, São Paulo (mas não necessariamente em São Paulo), no ano que passou. Pois é assim que se dá, todo final e começo de ano, a eleição do TOP DEZ do ser-tão paulistano. Poderia ser Top 20 ou Top 100. Não se trata de eleger o melhor, mas sim destacar personalidades, instituições ou eventos que tenham contribuído para a nossa vida sócio cultural.
Como sempre, é difícil escolher e o eventual esquecimento de alguém, é certamente uma injustiça, que esperamos corrigir. Apesar de ter sido um ano difícil para o país em geral, nossa riqueza cultural e humana é cada vez mais presente e para isso, basta olhar para o lado para descobrir: por isso, carecemos, cada vez mais, aprender a olhar e sentir, para cada vez mais descobrir o valor de nossa gente. Como fizemos outras vezes, o número DEZ é puramente simbólico e representativo; a ordem é puramente aleatória, não existe o primeiro ou décimo. É nossa singela homenagem, contrapondo a grande mídia que costuma premiar os vencedores. Nós premiamos com nossa lembrança aqueles e aquelas que contribuem para tornar nosso mundo melhor, mais bonito, mais humano:
AS VIAGENS DE KÁTYA TEIXEIRA:
O violeiro Levi Ramiro, um dos maiores criadores de histórias que existe, disse certa vez com grande propriedade que “...Kátya Teixeira deveria mudar o nome para Kátya Trecheira”, referência ao fato de nos últimos anos ter se convertido numa viajante incansável, por conta do “Projeto Dandô – Circuito de Música Dércio Marques”, projeto de integração cultural e musical, que já percorre grande parte do Brasil e até já se aventurou por terras porteñas. Em 2016, a grande viagem – que reproduz a atuação de Dércio Marques enquanto viveu e amou como ninguém nossa terra - continua, mundo afora!;
A GRANDE VIAGEM DE LEVI RAMIRO E PAULO FREIRE:
Os violeiros Levi Ramiro e Paulo Freire, da safra dos melhores que temos pela terra brasilis empreenderam algo de vulto durante esse 2015: o SESC patrocinou uma Grande Viagem da Viola Brasileira ao longo de 130 shows por todo o Brasil, tocando, cantando contando “causos”. De norte a sul, leste oeste, mesmo sem o apoio da grande mídia – como um grande acontecimento desses mereceria – o toque da viola, nosso peculiar instrumento tão mestiço e tão brasileiro, a dolente e festeira música muito brasileira e o jeito de ser tão representativo do caipira, fez-se presente pelas mãos e vozes de dois de nossos violeiros mais geniais. A grande constelação de violeiros, onde brilha Renato Andrade, Zé Côco do Riachão, Gedeão da Viola e tantos outros, estão dignamente representados;
O TEMPO E O BRANCO, O SHOW:
Logo no começo do ano, em fevereiro, tivemos no Auditório do Ibirapuera o show de lançamento de um dos melhores discos dos últimos tempos: o brilho da voz iluminada de Consuelo de Paula acompanhada pelos acordes contrastantes e ao mesmo tempo ritmados e harmônicos da viola caipira e acordeon: dupla homenagem ao melhor de nossas letras poéticas e nossa música. A poesia de Cecilia Meireles motivou Consuelo a escrever e Rubens Nogueira traduzir em melodias maravilhosas! Quem viu e ouviu não esquece! Quem perdeu o Show, que corra ouvir o CD, ainda disponível nas melhores casas do ramo, como diria o guru Zé Maria...
ZÉ GUILHERME CANTA ORLANDO SILVA
No ano em que Orlando Silva, o “cantor das multidões” completaria 100 anos, o cantor cearense radicado em São Paulo, Zé Guilherme, nos presenteou e surpreendeu com um belíssimo Cd onde recria os grandes sucessos do cantor com gosto de novidade. Ouvimos os clássicos eternizados com um frescor que certamente inspira as novas gerações a revisitar os nossos clássicos.
A VIOLA CAÏPIRA DE FABIENNE MAGNANT:
Fabienne Magnant é uma francesa de Orleans que provavelmente nunca esteve em São Paulo (não sei se conhece a cidade) mas sua atividade merece ser destacada. Apresenta-se como violonista e violeira. E é assim mesmo, com trema no ï, que ela se mostra nos palcos do mundo, identificando o instrumento, viola caipira, diretamente em sua origem. Embora seja originário da velha Europa, foi no Brasil que a singela violinha encontrou seu destino verdadeiro. No CD 2Mares, de Kátya Teixeira e Luiz Salgado, essa história é contada com propriedade nas faixas Meu São Gonçalinho e São Gonçalo do Brasil, contando com o imprescindível talento do poeta Paulo Nunes: trata da transformação ocorrida com São Gonçalo, o santo protetor dos violeiros, que de carola e careca em Portugal, uma vez no Brasil, em contato com nossa gente, deixou crescer os cabelos e vestiu roupa colorida... Ou seja, a viola, de européia se transfigurou, se coloriu, se transformou. A francesa Fabienne não é uma simples “imitadora”; dá a viola caipira – que muitos acham mais adequado chamar viola brasileira – seu inequívoco valor, universalizando-a. Pena que seus discos não são acessíveis aos brasileiros e a importação cobra taxas abusivas... No youtube se pode encontrar algumas faixas que falam por si. Importante salientar que a moça poderia ser nomeada nossa representante na Europa, ela que executa com tanto carinho e propriedade um de nossos símbolos mais queridos...
A LINHA ENTRE O CHUMBO E A FLOR: A POESIA DE ANGELA QUINTO:
É o livro de estréia da poeta Angela Quinto, mas a moça não tem nada de novata: sua poesia vasculha os recônditos da experiência dessa maravilhosa arte, talvez a forma mais sublime de expressão. Não é qualquer um que se pode outorgar a si o epíteto “poeta”, não é coisa para iniciantes! Angela certamente o pode fazer, pois possui a arte de condensar sentimentos e palavras, desvelando novos modos de ver e sentir o mundo!;
O MONUMENTO A NOEL GUARANY:
Foi inaugurado no começo de novembro, na cidade de Bossoroca, RS, uma estátua com 7 metros de altura em homenagem a um dos 4 Troncos Missioneiros, Noel Guarany – que ele mesmo autodenominava “...o cantor da Bossoroca que canta com galhardia!” (Os outros 3 Troncos são Jayme Caetano Braun, Cenair Maicá e Pedro Ortaça). Provavelmente a cultura originária da região das missões seja a que melhor define o ser gaúcho, com sua poesia rude e sublime. Noel e seus companheiros provavelmente tenham sido os redescobridores da cultura centenária que jazia oculta, encoberta pela cultura de massa, contribuindo assim para que a região dos Sete Povos das Missões fosse reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Reverenciado em sua terra, no entanto desconhecido no resto do Brasil, cuja obra, gigantesca, precisa ser descoberta;
A RESISTENCIA DO BAR DO FRANGO:
O Bar do Frango do Tatau pode ser chamado por quem o conhece e respeita, como “um Bar para poucos”. Localizado em plena Zona Leste da cidade, resiste bravamente aos modismos e outras intempéries, dentre elas a especulação imobiliária. Contra muitos prognósticos, resiste, e sua proposta é a mesma desde que foi fundado: música brasileira de qualidade e num espaço pequeno, onde artistas e público se olham no olho. Petiscos, cervejas e cachaça a preços honestos é outra sua marca registrada, junto com as mesas rústicas, de madeira maciça: o Bar do Frango resiste!;
O SHOW DE ADELMO ARCOVERDE:
Foi dentro do projeto Viola dos Cinco Cantos, produzido pelo violeiro Zeca Colares, que o violeiro Adelmo Arcoverde e seu filho André, se apresentaram no Sesc Vila Mariana. Adelmo é um sertanejo típico, natural de Serra Talhada, sertão de Pernambuco. Sua viola nordestina tem timbre único, ressoando antiguidades que se perdem nos tempos. Popular e erudito se misturam, improviso e lirismo dão o tom das epopéias que narram a peregrinação humana na face da terra, por isso sua obra, tão peculiar, tão sertaneja, é universal;
ArteZÉnal: A ARTE DO ZÉ MARIA:
José Maria de Oliveira é conhecido por seus pares do blog Ser-tão Paulistano como o Guru ou o maior conhecedor dos Caminhos do Peabirú (o antigo e secreto caminho dos índios), por conta de sua capacidade de conhecer os melhores atalhos para se chegar aos melhores lugares de Sampa, onde se toma a melhor cerveja, se come a melhor calabresa e por aí vai! O que muitos não sabem é que seu olhar meticuloso e atento consegue descobrir verdadeiros tesouros artísticos entre o material que nossa sociedade consumista descarta: com carinho, o Zé recolhe garrafas, caixas de madeira, estampas, latas, etc., retrabalha tudo isso e devolve ao mundo em forma de arte. Há anos o Zé faz isso, mas só esse ano resolveu expor seu trabalho, após muita insistência dos amigos e admiradores. Quem viu, assegura que valeu a pena!;
Merece menção honrosa o trabalho da professora ANA CECILIA ZARANTONELLI. Conhecemo-nos desde a adolescência, vivida no bairro Jabaquara e sua opção pela vida esportiva a acompanha desde a infância. Ex ginasta olímpica, ao encerrar a carreira de atleta tornou-se professora em tempo integral, formando atletas e outros professores. Sua luta é insana, quase quixotesca, sempre as voltas com os problemas de um país que não dá a menor importância ao esporte na formação de nossos jovens. Na verdade, nem esporte chamaria, mas sim, a atividade física. Lembro-me, mais de uma década atrás, de matricular meus filhos numa escola que chamam “classe média” no bairro a diretora, uma severa senhora de aspecto germânico mostrar-me orgulhosa a “quadra esportiva”, localizada no último piso da construção de alguns andares. A “quadra” tinha metade do tamanho de uma quadra normal. Fiquei me perguntando o que fariam ali, na hora do intervalo ou das aulas de educação física cerca de 300 crianças ou mais... Espaço naturalmente inviável, impossível. E depois se queixam das crianças que só ficam nos smarts, celulares, tablets. Bom, ali não era uma escola qualquer, era uma escola referência. Existisse na cidade, no estado, no país um sistema de ensino honesto e responsável e a existência de espaço para a prática de atividades físicas seria uma exigência legal... Pois é dentro desse estado de coisas que a professora Ana Cecilia Zarantonelli faz seu trabalho com a garra que só uma determinação acima do normal torna possível, muitas vezes financiando do próprio bolso e com o apoio dos pais, viagens para competições internacionais. Em 2016 foi convidada para participar da abertura dos Jogos Olimpicos do Rio de Janeiro e quem a conhece sabe que garra não há de faltar para que a apresentação seja digna!
...e poderia prosseguir mais e mais! A familia Moraes, poderoso clã de nossas artes musicais, capitaneado por Ney Couteiro, cujo violão de 8 cordas vale uma orquestra, mais Sabah Moraes, uma de nossas Divas, sempre merece destaque, etc. e etc!E o Quarteto Mundano, com o brilhante trabalho sobre Violeta Parra, o Violeta Terna y Eterna? Ou seja, o que não faltou foi coisa boa, de primeira!
Merece um adendo especial mais um evento do Caipirapurú, o grande festival de cultura caipira da região do Pontal do Paranapanema, na cidade de Irapuru, da região onde esse escriba veio ao mundo. O Caipirapurú caminha para a 15ª edição e está acontecendo nesse mesmo instante em que termino esse texto. Parabens, Julio Santin e povo de Irapurú, minha terra!
...E UM PRÓSPERO ANO NOVO PARA TODOS E TODAS! TIN-TIN!
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