TOP DEZ 2017
A cada final de ano, a mídia em geral elege as personagens
mais representativas em cada segmento da sociedade: nas artes, no esporte, na
política, no meio empresarial. Nós, do ser-tão paulistano, não obstante nos
dedicarmos a divulgar no nosso pequeno espaço justamente quem não encontra
espaço noutros meios, decidimos também prestar uma singela homenagem à quem
entendemos merecem, ser consideradas como exemplares.
Especialmente nesse 2017, tivemos um ano bastante rico culturalmente
e se tivéssemos de dobrar a quantidade de pessoas e/ou entidades que mereceriam
ficar entre os destaques, o faríamos sem qualquer esforço. E tudo isso, vale
destacar, apenas referente a quem não está na grande mídia, onde ocorreram
grandes destaques, como novos discos do Chico Buarque e João Bosco, o livro das
letras do Milton Nascimento, etc.
Ressaltamos, embora se faça desnecessário, que nosso
universo cultural é riquíssimo e sempre vale a pena um olhar, uma busca, pois
verdadeiros tesouros se ocultam nessa Grande e Desvairada Sampa!
O número 10 é um simples mote: dez figuras representativas,
importantes no geral e especialmente no
particular, reprodutores que são de ideias e conceitos de um mundo que pode ser
melhor!
A ordem que segue abaixo é aleatória, não obedece a um
critério donde caberia dizer ser Primeiro ou Décimo:
O VIOLEIRO E O POETA
Mais um Cd do
violeiro VALDIR VERONA, mais uma parceria, desta feita com o poeta Juarez
Machado de Faria. Todos conhecem as tradições violeiras do interior de São
Paulo, Minas Gerais, do Nordeste, Mato Grosso, Goiás, etc. Mas pouco se sabia
da viola gaúcha, embora seja um instrumento tradicional daquelas plagas. Valdir
Verona, depois de estudar violão clássico, a exemplo de muitos outros músicos,
encantou-se com a viola caipira e tem
produzido um vasto material tendo a viola como referência principal, a maioria
em parceria – Levi Ramiro e o acordeonista Rafael De Boni são exemplares.
Desta feita junta-se ao poeta de sua terra, Juarez de Faria,
com quem havia composto “Meu Irmão Violeiro”, que deve figurar como um
verdadeiro clássico do cancioneiro nacional. Dizer que Juarez é o “poeta do
povo” é mero eufemismo: ele encarna a própria voz de seus contemporâneos, sem
se deter somente na tradição, como podemos ver nos seguintes versos:
“...saiam os dedos e
os olhos
De frente dos
computadores.
A Primavera te chama
E quer mostrar suas flores
...que os cofres dos
corações
Guardam, sim, outros
valores.”
Versos assim, não encontrariam melhor guarida que os trinados
violeiros de Valdir Verona!
MORA MUNDO
Pense num lugar acolhedor.
Pense num lugar super simpático, onde voce tem a exata
sensação de estar em sua própria casa.
Pense num lugar onde voce tem toda a liberdade de
manifestar-se, de “ser” voce mesmo(a) sem o risco de ferir melindres.
Pense num casa com quintal e banco de madeira, onde se pode
prosear tranquilamente, sem pressa.
Pense num discreto bar, sortido com guloseimas feitas com
muito carinho, diversas bebidas – incluindo cachaças artesanais – e uma coisa
um tanto incomum nesses tempos de vale tudo: não custa os olhos da cara! Pois
esse lugar existe, o lugar democrático na prática, onde verdadeiramente nos
sentimos em casa, seja para ouvir boa musica com a sensação de estar,
literalmente, na sala de casa!
O lugar é o Mora Mundo. Sim, é possível estar de bem com a vida!
Fica na Rua Barra Funda, 391, pertinho da estação barra
Funda, do metrô!
Consuelo de Paula e Fernanda, do MoraMundo
INSTITUTO JUCA DE CULTURA
Localizado na Rua Cristiano Viana, 1142, o I.J.C., sob a
batuta do poeta Paulo Nunes, é um recanto de brasilidade que merece ser
conhecido e apreciado. Pequeno, simples, acolhedor, foi criado em homenagem a
um dos maiores poetas da literatura oral que o Brasil já conheceu, José Joaquim
de Souza, profissão de carreiro da região de Patos de Minas, mais conhecido
como JUCA DA ANGÉLICA. Poeta popular, cuja obra só chegou ao nosso conhecimento
graças ao hercúleo trabalho do Paulo Nunes, que a custo conseguiu convencer
“seu” Juca a transpor seus versos para o papel no livro “Meu Canto é Saudade”.
No rastro vieram o CD “Puisia”, musicado
por Saulo Alves e o Trio José e ainda um filme. (“seu” Juca pertencia à milenar
estirpe de versejadores/epopeitas que acreditam pura e simplesmente na força da
palavra falada. Essa tradição remonta também ao hassidismo, doutrina judaica pietista do século XVIII que
acreditava ser o ensinamento oral o único verdadeiro, pois o ensinamento divino
é transmitido pela palavra, através da alma).
O Instituto Juca de Cultura (IJC) é o local em São Paulo que
recepciona os músicos do Projeto Dandô – Circulo de Musica Dercio Marques,
movimento idealizado por Kátya Teixeira, refazendo o trabalho que o andarilho
musical Dércio fez a vida inteira:
aglutinar pessoas de todos os cantos em torno da arte musical.
PURAHÉI TRIO
Uma surpresa maravilhosa conhecer o trabalho do PURAHÉI
TRIO, formado pela flautista brasileira Maiara Moraes, a cantora paraguia Romy
Martinez e o pianista e arranjador argentino Chungo Roy. Os jovens dedicam-se,
digamos, a “inventariar” e “traduzir” em linguagem musical contemporânea o gigantesco
acervo musical cultural existente nas regiões fronteiriças de Brasil (estados
do Sul e Mato Grosso do Sul), Argentina e Paraguai que, embora sejam conhecidas
e façam parte do cotidiano dos locais, é pouquíssimo conhecido do resto dos
países. O meticuloso trabalho dos jovens redescobre a força musical de
conhecidas canções como “Galopera”, “Pé de Cedro” e “Sonhos Guaranis”, como
ressalta a importância de preservação da maior reserva de água doce do planeta,
o chamado Aquifero Guarani.
CACAI NUNES
Quem primeiro falou-nos do violeiro pernambucano CACAI NUNES
foi a violeira e guitarrista francesa Fabienne Magnant, interessada em adquirir
sua obra, então fora de catálogo, Casa do Chapéu (felizmente a obra foi
reeditada). Cacai é desses artistas que fizeram a viola caipira alçar vôos além
do universo de origem, a zona rural, rumo a outros palcos e estilos, provando
seu valor e versatilidade. Cacai tem sua linguagem própria, mas tem no sangue a
sensibilidade que só os grandes violeiro possuem. Quem duvidar, que ouça a
memorável “Inhuma do Cocho”, uma canção que revisita as profundezas do tempo e
que tem futuro garantido nos corações.
BARULHO D’ÁGUA
O blog Barulho d’água, do Marcelino Lima & Andreia
Beillo é sinônimo de boas novas e boa música – haverá algo mais musical que o
singelo “burulhinho d’água”? O texto de apresentação de cada matéria é
enganoso. Diz:
Veículo de divulgação
de cantores, duplas, grupos, compositores, projetos, produtores culturais e
apresentadores de música independente e de qualidade dos gêneros popular e de
raiz.
Enganoso porque é muito mais do que isso. Suas resenhas de
discos ou textos sobre artistas pouco conhecidos do grande público são de
encher os olhos e enriquecer nossa cultura musical (vejam por exemplo, sua
postagem Título de melhor rabequeiro do
Brasil é pouco para reconhecer a contribuição de Zé Gomes (RS) à música do país)
Como informa o titulo, uma justíssima homenagem a um dos maiores músicos e
homem de cultura que esse país já viu e é pouco conhecido: o gaúcho Zé Gomes.
Barulho d’água, além de competente veiculo de informação
musical, é pura demonstração de amor pela arte!
TRILOGIA DO AMOR, por Consuelo de Paula
Falar do projeto Trilogia do Amor, que lenta, mas
solidamente está sendo desenvolvido pela mineira de Pratápolis, Consuelo de
Paula, não é um exercício de prestidigitação: ousamos antecipar que será “tão bunito qui só vendo e ouvindo”, como
diria o poeta João Bá.
Consuelo, como boa mineira, produz ao ritmo do coração, da
alma. E esse projeto, que tem o título provisório de “Movimentos de Amor e
Luta”, como é seu hábito, rompe zonas de conforto que seu talento lhe reserva,
para ousar – como, aliás, tem feito durante toda a sua carreira. Em tempos tão
difíceis e confusos como os que vivemos atualmente, não apenas no Brasil, mas
no mundo. “Amor e Luta” são elementos catalizadores dos desafios que os tempos
atuais impõem e a incansável Consuelo, não se faz de rogada.
Até agora mostrado para os felizardos frequentadores do
Teatro da Rotina (eis outro “espaço” cultural/musical merecedor de figurar
entre os TopDez!) e do espaço Mora Mundo, é uma Consuelo que, junto com seu
violão e sua voz, forma com o público um elo de cumplicidade poucas vezes
percebido na história da musica: raros momento em que podemos ver a artista
falando, cantando e tocando o “amor e a luta” na quentura do sangue, ao ritmo
de sua respiração e temperado por sua ginga.
Outro possível titulo para esse trabalho em gestação, mas já
delineado, seria Chamamento, onde, com
seu jeito mineiro, nos convida à sua roda, onde se mistura toada, baião, samba,
valseados, modinhas e batuques diversos: a artista em cena, criativa,
apaixonada, sincera, inquieta.
POEIRA DANÇANTE
O Projeto Dandô – Circulo de Musica Dercio Marques, nos deu
a oportunidade de conhecer a mineira SOL BUENO, cujo trabalho, “Poeira
dançante”, tão belo e envolvente que nos faz sentir participantes de uma visão
miraculosa, só possível na terra mística e encantada das Geraes. “Poeira
Dançante”, o CD, é uma nuvem de pétalas coloridas cobrindo os céus do Brasil,
mas traz nos versos, além da beleza dos pés dançantes, também os pés calejados
e descalços, a luta nos terreiros e nos campos de um Brasil esquecido, porém,
viçoso e real.
REBENTO
O título é apropriado para o mais recente trabalho do
violeiro RICARDO VIGNINI. Oriundo do rock, Ricardo tem “passe” livre por todo o
universo musical, pois poucos conhecem como ele a pujança e o valor do
instrumento que poderia ser símbolo do Brasil, a viola caipira. “Rebento” é um
disco “estradeiro”. Um “blues” caipira que viaja pelos sertões da viola, pelas
vendas, pelos bares de beira de estrada, pelos pés de serra, pelas roças.
Ricardo Vignini é desses músicos que, a exemplo de Cacai
Nunes e Fabienne Magnant, levam a viola caipira para outras esferas,
descobrindo novas possibilidades para o instrumento e também para a descoberta
e conquista de novos públicos, especialmente entre os jovens. Sua contribuição é
imensa, ao lado das valorosas contribuições de Adelmo Arcoverde e Jaime Além,
que compuseram para a singela violinha peças eruditas para viola e orquestra –
vide “Concertina, em 3 Movimentos”, de Adelmo e a deliciosa “Suite Caboclinha”,
de Jaime.
“Rebento” é a cara do Matuto, que promove uma importante
intersecção – toca rock com viola capira e musica caipira eletrificada -, sem
nenhum desrespeito a nenhuma das tradições, provando que Jordi Saval está mais
do que certo quando afirma que “...em
qualquer tempo, a musica sempre será uma possibilidade de diálogo entre os
homens.No nascer dos tempos modernos, caravamas que atravessavam desertos, de
várias regiões do Oriente Médio rumo á região do Mediterrâneo, acampavam uns
próximos aos outros, muitas vezes sem conhecer um do outro o idioma,
impossibilitando o diálogo. Mas bastava alguém sacar seu alaúde ou qualquer
instrumento de percussão e iniciar-se uns batuques, que a comunicação se
estabelecia.” Que o diga Tom Zé, que no primeiro encontro com David Birney
passaram uma noite inteira “dialogando” sem que ele soubesse nada de inglês nem
o outro qualquer coisa de português. Entenderam-se apenas musicalmente. Pois é
musicalmente falando que ressaltamos o trabalho do Matuto Ricardo Vignini,
parceiro do meu conterrâneo, o Indio Cachoeira.
ELEMENTAL
O CD de estréia do
mineiro Erick Castanho remete à obra
prima de Dércio Marques, “Segredos Vejetais”. O bom da história é que Erick não
apenas segue os passos do mestre, como dá seu recado em sua própria voz,
fazendo jus à máxima dos sábios medievais japoneses, para quem “...o importante não é fazer o que os
mestres do passado fizeram, mas procurar o que eles procuravam.”
Assim, as questões que foram levantadas “precocemente” em
“Segredos Vejetais”, como a destruição do cerrado e a consequente preocupação
com a preservação do bioma, não é apenas
um capricho saudosista, mas um fator de importância fundamental para a
construção do futuro do próprio planeta. O futuro bate às portas, é inevitável
e quanto melhor estivermos preparados para encarar os desafios, mais chance
teremos de sobreviver. Érick Castanho não é um ativista, é um artista. Ou
melhor: é um ativista de outra natureza, que fala diretamente aos corações,
através de sua arte.
E neste final de post, o último do ano, menção honrosa ao casal PAULO FREIRE e ANA
SALVAGNI, unidos no amor e na musica. O último disco da Ana, em parceria com
Eduardo Lobo, “Canção do Amor Distante”, nos brinda com histórias de amor,
desde o amor provençal, até os nossos dias: da poesia de Hilda Hiust a Adonirã
Barbosa, Paulo Cesar Pinheiro, Elomar. E
o Paulo, com suas parcerias, suas viagens, suas prosas, parcerias, nos revelando um Brasil do qual
devemos ter muito orgulho.
Menção honrosa para os eternos embaixadores da cultura
rio-grandense, os irmãos RAMIL, Kleitor, Vitor e Kledir!
Para SABAH MORAES,
NEY COUTEIRO, toda a família Couteiro Moraes;
Para Oswaldinho & Marisa Vianna;
Jair Marcatti, meu antigo professor de história
contemporânea, que coordena o importante projeto “Imagens do Brasil Profundo”,
quarta sim, quarta não, na biblioteca Mario de Andrade;
Para Walter Lajes, violeiro e cantador dos sertões de
Vitória da Conquista;
Ao menestrel, especialista em musica medieval, Roberto Bach:
À Karine Telles, cantora brilhante dos palcos paulistanos;
Super abraço a João Bá e seu pupilo João Arruda; ao multinstrumentista
Antonio Joao GALBA;
Saudações a Noel Andrade; ao milongueiro Giancarlo Borba,
produtor do disco da Sol Bueno!
Dani Lasalvia, que venha o disco novo;
À Antonio Pereira, cantor, cantador, compositor, violonista,
um dos maiores talentos desta terra brasilis!
Nossos agradecimentos a toda essa gente que tanto faz pela
cultura nacional.
E sinceras desculpas pelos tantos que não pude mencionar
aqui, por mera falta de espaço! Seriam centenas, graças a Deus!
ENFIM, UM SUPER E FELIZ ANO NOVO A TODOS E A TODAS!