Está no forno, recebendo os cuidados finais, o CD “Beira de Folha”, da mineira de Pratápolis, Consuelo de Paula e do paulista de Campinas, João Arruda. O show de lançamento, conforme as atuais regras impostas pela necessidade de isolamento social, vai acontecer no dia 21 de agosto, sexta-feira, no Youtube/c/beiradefolha, às 20 horas.
Na mesma data, o disco estará disponível em todas as plataformas digitais.
A parceria
desses dois é daquelas coisas deliciosamente “previsíveis” de que se tem
noticia: assim nos sentimos logo que eles se conheceram e afinidades musicais
os fizeram dividir palco muitas vezes
nos últimos três anos. “Só podia dar nisso, em disco”, foi a conclusão óbvia de
quem os vi e ouviu. Ambos dotados de forte personalidade artística, igualmente
acrescida, em ambos, de uma sensibilidade permanentemente à flor da pele.
Quis o
destino que o CD, gestado por ambos há uns três anos aproximadamente, viesse a
ser finalizado durante o período de isolamento
pela Quarentena provocada pelo Coronavirús, o evento pandêmico que veio
para mudar para sempre as vidas de todos nós: medo e sofrimento que assolam a
Humanidade, em escala mundial.Levará alguns anos, creio, para que todos
conheçam a verdadeira dimensão dessa tragédia. No momento a pandemia que se
impõe entre nós por cinco meses, sem previsão de término, tem o efeito psíquico
que uma guerra travada com armas não convencionais, a tal ponto dissimulada que
não são poucos os que duvidam. E durante guerras, a arte pode estar presente, não apenas para entreter a população e os
diretamente envolvidos, mas como prova viva da capacidade humana de superação.
E as
guerras, ao contrário do que muitos pensam, estão muito presentes no Brasil.
Temos números de guerras, violências semelhantes às dos conflitos bélicos, nos
assolam. Não só a violência em si mesma – do transito, do crime – mas violência
da indiferença, do pouco apreço pela vida e pelo sofrimento alheio, fatores que
durante essa pandemia tiveram de ser diretamente encarados por todos. Queira-se
ou não, os fatos nos atropelam e nos atinge. A indiferença , a crueldade, o
egoísmo, tudo isso nos desafia e nos convoca ao combate: e dispomos de armas
poderosas, dispomos de arte e temos usado largamente essa poderosa “arma”: e nossos
amigos artistas foram – estão sendo - pródigos em nos abastecer de energia,
animando e dando vida a nossa nossa solidão forçada. Foram tantas as lives,
tantos os eventos que perdemos a conta. “Beira de Folha” é um desses produtos.
O resultado final, ora transformado em CD, traz, assim, a marca da resistência,
da beleza: solidariedade em meio ao caos
que nos ameaça tolher a vontade.
“Beira de
Folha” é uma celebração do encontro de dois artistas, cada um com carreiras consolidadas, vindos de caminhos
diferentes, embora em muitos pontos tenham se cruzado, ora direta,
ora indiretamente: caminhos que, enfim, confluem. O que resultou nesse disco é
também uma consagração para ambos, notadamente a versatilidade límpida que está
presente em suas respectivas carreiras, onde esbanjam verdadeiras proezas de
apuro técnico, poesia, sendo cada
trabalho um profundo mergulho na alma brasileira que só mesmo dois artistas
calejados em brasilidade poderiam ser capazes.
A causa
principal da aproximação foram alguns projetos em torno das homenagens a Dércio
Marques, entre eles o “Arreuni” (outro grande e premiado projeto é o Dandô, já
tratado em outras postagens do glog), realizado no Espaço Cultural Barão
Geraldo, em Campinas, há três anos.
Se Dércio
Marques serviu de pretexto para a aproximação entre eles, certamente a presença
de João Bá, amigo e parceiro de Dércio desde a década de 1970 – ambos aparecem
na foto da contracapa do primeiro disco de Dércio, o antológico Fulejo.
Nos últimos
tempos, muitos foram os encontros, em muitos lugares do Brasil, cumprindo um
desígnio que era muito caro a Dércio: a formação de músicos e de publico. Muitas
vezes dividiram palco, enquanto pôde e teve saúde, João Bá sempre foi uma
presença perene. E sua presença, sua alegria e energia, é garantia de vida
fluindo. João Bá, que poderia ser pai, irmão ou filho de Dércio, mais do que artista,
cujos interesses eram comuns, eram semeadores, pessoas para quem a Arte era o
próprio manancial da vida. Ambos, Dércio e João, significaram e significam
muito, para muita gente durante décadas: foram, nesse projeto “Beira de Folhas”,
mais que “padrinhos” involuntários ou circunstanciais, de algum modo, foram parceiros.
João Arruda
é um desses frutos que o “semeador” Dércio plantou ao longo de sua existência.
Quem o ouve cantar e tocar, sua delicadeza e uma capacidade inaudita de
explorar recursos percebe que o
principal item das lições aprendidas de seus mestres: muito amor, seja pelo
oficio de cantador e pelo povo cujas tradições são buscadas aprendidas,
reinterpretadas, recriadas – são muitos
seus “guias”, além de Dércio e João, podemos citar o mago Stênio Mendes e a
própria Consuelo, a quem eu já o vi referir-se como “amídala”, curiosa junção
das palavras amiga e ‘ídala’. De sua própria safra podemos apreciar os álbuns “Celebrasonhos”
e “Venta Moinho”, além de dezenas de participações como musico, produtor, etc.
Outra característica do “aprendiz de feiticeiro” (ou já seria feiticeiro
diplomado?) é a “experimentação de sons”
através de instrumentos pouco comuns.
Consuelo de
Paula dispensa apresentações, mesmo assim vale mencionar por alto – ou nos
perdemos nos labirintos de sua imensa “Casa”, que é como deve ser chamada sua
obra: uma “Casa” enorme e acolhedora, que ela construiu ao logo da vida artística
bloco por bloco – há quem diga que sua “Casa”, sua obra, já nasceu com ela: de
tempos em tempos, ela revela mais um anexo, sempre surpreendente: são sete álbuns.
“Samba Seresta e Baião”, Tambor e Flor”, “dança das Rosas”, “Casa”, “O Tempo e
o Branco”, “Maryakoré
“Beira de
Folha”, o mais recente projeto, promete ser mui generoso para com os fãs e
admiradores. Além das canções, tem muito material de bastidores, mostrando
detalhes da produção, poesias, fotos. Será como podermos dar uma espiada,
vislumbrando gênios criadores em ação.Boa oportunidade para aproveitar os
muitos recursos que as mídias digitais oferecem.
Tomara que
finalmente a tecnologia seja utilizada em seus múltiplos recursos – até aqui,
pouca coisa é ofertada ao público.