VIDAL
Vidal França, o nome adotado pelo baiano José Calixto de Souza, bem que poderia ter acrescentado BRASIL , pois o artista Vidal França poderia, sem nenhum exagero, ser chamado um “resumo do Brasil”.
“O que corre dentro de mim
Vem da clareza da língua
Vinda do tempo que fui
Um plantador de grãos.
Minha terra ensinou-me
Caminhar sobre fogueiras
Nas lições de minha terra
Como nascem nossas plantas.
Eu sou um homem da terra
Sou a planta dos meus pés
Sou o rei também os fiéis
(trecho de Homem da Terra, do CD Não é Só Forró – É Música Literal Brasileira)
Musicalmente, esse “resumo” do Brasil pode ser encontrado ao longo de seus quatro discos lançados em vida – Fazenda, Cidade Bruxa, Sertão e Mar e Não é Só Forró – mas basta ouvir o Sertão e Mar para se convencer da força, do colorido, da alegria e da enorme força poética de nossa música. Tudo está ali: a força dos ritmos simbolizado pela presença de alguns dos nossos compositores mais representativos: Dorival Caymmi, Sérgio Ricardo, Gordurinha, Geraldo Vandré, Zé do Norte, Carlos Lyra, Catulo da Paixão Cearense, Gonzagão, Roberto Menescal, Luiz Carlos Bahia, Paulo Sérgio Pinheiro.
Sertão e Mar, esse disco poderia servir de cartão de visitas não só do cantor/maestro/compositor/arranjador, mas do próprio país: tudo está ali, do Sertão ao Mar. Nas poucas vezes que o encontrei, sempre fazia questão de dizer a ele que Sertão e Mar resumiam o Brasil e podia ver seu rosto iluminando-se de alegria pelo reconhecimento – que, aliás, só teve do povo e admiradores. Não que a grande mídia não soubesse quem ele era! Sabia, sim! Mas sabia ao mesmo tempo que Vidal França não fazia concessões e não se vendia. Por isso se fingia de mouca.
Talvez um ato fortuito do destino tenha feito tenha destinado a Sertão e Mar a honra de resumir o Brasil, sem, em momento algum, ter tal pretensão: não deve ter sido à toa que o subtítulo do disco seja “Músicas do Brasil” e que na ficha técnica do CD, produzido pelo CPC UMES, o trabalho seja tratado como “documento musical”, definição que deve ter surgido sem querer, , mas que traduz fielmente o conteúdo, onde boa parte dos nossos gêneros musicais se entrelaçam com instrumentos e as vozes de Vidal e Mazé e a participação ainda discreta de sua sobrinha Katya Teixeira, cuja estréia discográfica seria guiada pelo próprio, no disco Katchêre).
Ao partir para as terras imortais no último dia 12 de fevereiro Vidal França Brasil deixa um vazio. Mas, por outro lado, deixa um legado imenso, pois praticamente toda a sua vida foi preenchida com musica. Exercia o oficio de criador musical desde os 14 anos. Foram aproximadamente 64 anos de música, dos 76 que viveu. Seguramente, é daqueles seres que nunca morrem e, sim, ficam encantadas.
Por outro lado, Vidal nunca teve vida fácil, musicalmente falando. Seu imenso talento e prestígio nunca foi o suficiente para lhe garantir tranquilidade financeira. Mas isso não parecia incomodá-lo nem um pouco. Era tão fiel ao seu compromisso de representar a verdadeira cultura popular quanto era sua decisão de combater o arbítrio e a injustiça social, ele, um cidadão que exercia sua cidadania sem quaisquer retoques, sem quaisquer sombra do fatídico oportunismo de que são feitos os ídolos de barro.
Como definir Vidal França? Um vídeo postado nas redes sociais nos últimos dias ajuda a compreender sua presença neste mundo. Foi postado por minha amiga Thaís Pranzetti, que foi minha colega de trabalho nos heroicos tempos que trabalhei na Assistência Social. O video mostra Vidal tocando e cantando numa casa na periferia de Guarulhos, onde a maioria das pessoas não tinha a menor ideia de quem fosse aquele senhor! Isso explica muito o “ser” que ele encarnava, homem do povo, que se sentia feliz e alegre no meio dos seus pares.
https://www.facebook.com/100003118034989/videos/469185308078268/
No fundo Vidal foi o caboclo que foi estudar na cidade, virou doutor (em música) mas ao mesmo tempo jamais deixou seu torrão natal.