Poucos encontros musicais foram tão pródigos quanto o encontro de Victor Mendes com o veterano menino Deo Lopes – que, não por acaso, compôs com Célio Piazza a canção “Eterno Menino”, para Dércio Marques. O encontro musical Deo Lopes e Victor Mendes, resultou um CD singular: "Concerto Sentido", Pra Sair do Quarto Escuro e Pra Tua Lucidez, para parafrasear duas faixas do CD, duas mensagens.
Deo Lopes até hoje é lembrado pelos frequentadores do teatro Lira Paulistana, que marcou época em Sampa, considerado o centro da arte de vanguarda paulista. A lembrança viva tem razão de ser pois Deo é desses artistas que conseguem reunir no mesmo ato a paixão entusiasmada da arte com o apuro técnico. Influenciador de novos talentos, formador de público cativo, faz letra, melodia, harmonia, tudo ao mesmo tempo e com esmero. Isso pode ser feito rapidamente, de prima, ou levar anos.
Isto porque Deo compõe em estado puro pois é um artista em estado puro. Suas composições não possuem subterfúgios apelativos, chega ao público refletindo exatamente a motivação que o inpirou. Que sejam os temas dançantes e festivos, repletos de humor com a banda Trem da Viração ou sofisticadas canções inspiradas pelo movimento concretista (Concretismo, no CD Concerto Sentido, justamente o da parceria com Victor, onde curiosamente ouvimos ecos de Bach), ou ainda seu vasto trabalho em defesa da natureza – quando isso não era moda, vide a antológica “Canção Pra Porto Seguro”, interpretação consagrada pelo Grupo Terramérica, tornada um hino ecológico junto com Matança, de Augusto Jatobá ou Saga da Amazônia, de Vital Farias..
A obra de Deo Lopes é fundada estruturalmente, penso eu, em três pilares fundamentais (dentre outros possíveis, musicalmente falando, quero dizer): tradição, mensagem e linguagem/arranjos atualizados. Ou seja, obra deve ser coerente com o momento vivido, ao mesmo tempo conter a mensagem clara, seja poética ou social e cujos arranjos sejam atrativos, criativos e não embotados pelo comodismo. A parceria com Victor contém isso, seja em revisitas a temas tratados anteriormente (Canção do Amor Natural, Pacífica) ou temas inéditos, cujas harmonizações encaixam-se como luvas, contando com as preciosas participações da violonista Mariana Corado, do baixo acústico de Pedro Macedo, mais Beto Quadros (bandola), Ricardo Vignini (lap esteel), Thadeu Romano (sanfona) e Zé Helder (voz e viola caipira).
CONCERTO SENTIDO
Um concerto na plena extensão do termo. Um concerto para os sentidos? Obra solidamente fincada nos pilares mencionados – tradição, mensagem, modernidade – resulta de uma depuração colhida das muitas influências colhidas ao longo das carreiras dos artistas, sempre abertos ao novo, sem perder de vista a origem. “Concerto Sentido” é uma pequena viagem musical com ares folk, barroco, estradeiros, diálogos interiores, novos encontros, novas esperanças, reencontros. Cada um dos participantes contribui com sua marca, sua digital. Um trabalho verdadeiramente coletivo, mas onde a marca pessoal, o estilo, timbre de voz e até o gestual do artista construído em mais de 40 anos de carreira servem de vigas mestras.
Terminamos de ouvir o disco com a impressão de termos sido sacudidos por delicados insights; ouvimos os artistas reunidos com a pura sensação de que a música cumpre um papel social que de fato vai além do social: abre possibilidades de construção de novos diálogos. Isso não é pouco. Hora de pausa na azáfama, na loucura dos dias e chega o momento de abrir ouvidos, corações e mentes. Sejamos cúmplices e partícipes da construção do tempo que vivemos. Não sejamos indiferentes!
