Neymar Diasestá na estrada há algum tempo e tem trabalhos
importantes. Nas primeiras vezes que ouvi falar dele, pensei que fosse da
tradição dos violeiros, mas fui surpreendido: O rapaz é homem dos sete
instrumentos.
Porém, fora o seleto grupo dos
iniciados,é um ilustre desconhecido.
Causou espécie, como dizem os juristas, constatar a enorme quantidade de
pessoas, até do meio musical que não tinha a menor ideia de quem se tratava. Tem
trabalhos solos, parcerias, uma delas com Toninho Ferraguti – Festa na Roça,
clássicos sertanejos ao sabor do acordeon e viola caipira. Juntos, Ferraguti e
Neymar participaram de um dos grandes discos deste século, o genial O Tempo e o
Branco, de Consuelo de Paula,que fechou
a Trilogia virtuosa com o melodista Rubens Nogueira.
Neymar é desses artistas vocacionado
desde sempre a ser artista. Nasceu grande, condição favorecida pertencer a um
ambiente musical – seu pai é compositor de música caipira. Tendo nascido na
cosmopolita capital paulista e influenciado pela atmosfera caipira, foi
igualmente influenciado pelo jazz, música pop, musica clássica. A formação
acadêmica foi uma benção para ele próprio, pois antecipadamente se desvinculou
de toda sorte de preconceito em relação à música. E, por tabela, uma benção
para todos nós, apreciadoresdo bom
artista e da boa musica.
Formou-se em Composição e
Regência pelaFaculdade de Artes Alcântara Machado (FAAM) e podemos vislumbrar a maravilha que deve ter sido foi juntar o
conhecimento acadêmico à sua paixão por viola caipira,
guitarra, violão, baixo elétrico, contrabaixo, guitarra havaiana e bandolim.
Qual não foi a surpresa deliciosa saber de seu trabalho sobre
Bach. Sua carreira inteira é direcionada para nossa música, mas Bach é Bach! Alemão
de nascimento, de cultura europeia clássica, mas sua música é universal, ultrapassando todas as
fronteiras existentes para ser consagrada como música do gênero humano. Se houver um festival cósmico com
compositores das mais distantes e inóspitas galáxias, Bach não faria feio
representando a Via Láctea – mas haveria de levar uma trupe consigo, como o
nosso Vila-Lobos, Mozart, Agustín Barrios. E porque não o Mestre Cartola, capaz
de transformar singelos lundus em magnificas e complexas peças!
O trabalho “Neymar Dias
feels Bach – Viola Brasileira Solo”, se trata de uma imersão profunda na
obra do gênio alemão: não se trata de simplesmente “tocar” – o que qualquer virtuose adestrado faria. Como diria o velho
Zé Gomes, “não é só tocar! É saber e sentir!”
Neymar transcreveu
diretamente do original para o instrumento brasileiro por excelência (não
obstante sua origem portuguesa) e na característica afinação Cebolão. Ou seja,
ao transcrever, Neymar Dias transformou Bach em brasileiro, assim concedendo -lhe
cidadania! E Bach deve ter ficado muito feliz em se tornar cidadão brasileiro!
Assim, Neymar Dias pode ser chamado,
sem medo de errar, “gênio da raça brasileira” e como seu xará do futebol, um
craque, com a vantagem nada desprezível de não se meter em polêmicas desnecessárias. E olha
que ele poderia até ser um pouco marrento, pois pertence ao seleto grupo
daqueles e daquelas que tocam J.S. Bach com autoridade!
Em princípios dos distantes anos
1970, o violonista Geraldo Ribeiro que transcreveu Bach para viola caipira – o antológico
disco Bach na Viola Brasileira. E nos
últimos tempos fomos agraciados pela transcrição de Paulo Martelli para violão:
A Bach Recital.
Ouvir Bach na viola caipira é como
entrar numa nave espacial e visitar terras divinais. Não é – como pode a
principio parecer – um exotismo; demarca uma expansão, acrescenta algo ao que
se conhece sobre Bach. Em nada diminui em termos da solenidade que doutos
eruditos exigem da músicae além disso,
mostra a versatilidade desse instrumento que ficou por muito tempo na sombra: a
viola chega e fica nas salas de concerto. (Quem duvidar, que ouça Jaime Além e
sua Suíte Caboclinha; Adelmo Arcoverde, Concertino; a francesa Fabienne Magnant
que fez da viola brasileira um veículo para sua musicalidade. E tantos e tantos
outros!).
Em pleno voo da nave estelar, para
onde somos levados por tanta magia, bate uma sincera dúvida: a viola caipira foi inventada para
tocar Bach ou Bach foi inventado para fluir acordes divinos na singela
violinha?
Tal dúvida tem suas razões de ser:
sabemos que Bach compôs para instrumentos que não existiam em sua época, como
as Suítes para Cello, descobertas pelo jovem Pablo Casals no século XIX, E, se
no caso da viola caipira, aconteceu o inverso? Um instrumento do futuro que
apareceu em sonhos para Bach, encantando-o com seu timbre único, ofertando-lhe
inspirações e marcando encontros para os séculos vindouros? Não duvidem !
E para os estudiosos, uma novidade
extra, também encontrado nas melhores casas do ramo, o livro de
partituras/tablaturas: o primeiro livro de partituras de Bach para viola caipira da História.