Neste 2024 o disco instrumental, Tribuzana, do
mineiro de Guarda-Mór, Antonio João Galba – simplesmente Galba – completa 10
anos de lançamento.
Ouví-lo novamente e constatar que ainda tem muito a
dizer. Dez anos depois conserva o mesmo frescor de quando foi lançado. E, por
cima, continua enigmático, pois ainda
não se chegou a um consenso a respeito da palavra Tribuzana. Sua origem, até onde sabemos, é incerta.
Acredito que o significado exato da palavra pouca
importância tem nesse caso, pois o que importa realmente é o que significa para
cada grupo de pessoas onde a mesma é usada, seja no nordeste ou no sul brasileiro,
ou no Arquipélago dos Açores, onde provavelmente a expressão teve origem.
Na ilha de Florianópolis, os “manézinhos”, dão à
Tribuzana o significado de tempestade e
também chegada de tempo ruim. De modo
ou de outro, serve como alerta, aviso para ficar atento. “Manézinhos” eram
assim chamados os descendentes de açorianos chegados à região e indo habitar a
ilha. “Manezinho” a principio tinha forte teor pejorativo, mas depois foi incorporado
e exibido com orgulho.
Embora não seja de uso corriqueiro, a expressão não
é desconhecida no nordeste brasileiro, onde pode significar confusão, agitação, briga. É nesse
sentido que o baiano Elomar Figueira de Melo usa na ária “Tirana”, gravada no
seu segundo álbum,” Na Quadrada das Águas Perdidas”. Tirana faz parte da ópera O Tropeiro Gonzalin, nunca foi gravada
completa, apenas algumas árias. Acrescente-se que na forma de como Elomar a
utiliza, existe um sentido que remete à atribulação da alma perante as vicissitudes
da vida, a inutilidade de juntar bens materiais que em vez de paz, trazem
intranquilidade. Diz parte da estrofe:
“...quanto mais juntá, mais dana, é tribuzana é
só busão/ Oras que na vida in ança/ O pobre cristão só discansa/ Dibaxo d’um
tampo di chão.”
Que seja Tempestade, Confusão ou Agitação, o mais gratificante é que Galba,
músico que percorreu as mais inóspitas veredas de nossa cultura musical – dos brejos
aos terreiros, montes e chapadões -, pode ter reinventado novos significados
para Tribuzana. Seu belíssimo disco é uma mistura de alegria, de festa, de
reflexões sociais e afetivas, como se pode verificar nas faixas: “Vila do
Cachorro Sentado”, “Menino Dércio”, “Canção do Anjo Que Levou Meu Pai”,”
Meninos do Iraque”. A última faixa do álbum, se não reparar no titulo, pode
pensar tratar-se um ritmo cubano, mas ele chamou de “Samba Andaluz”, que reúne
traços da música popular desses povos tão peculiares e tão universais:
Brasil/Cuba/Andaluzia que por sua vez remete ao Médio Oriente.
Ninguém melhor que o mineiro Galba para ser capaz de
juntar e agregar tudo isso, pois traz no corpo e na alma influências orientais,
africanas, mouras, nordestinas, indígenas, europeias. Executando com maestria o
violino, viola caipira, violões e bandolim, Tribuzana é um cometa cortando o
céu em noite estrelada, espalhando fagulhas de vida e alegria pelo universo.
Destaque para Brau Mendonça e os demais
companheiro: Roberto Gava, Daniel Kid, Marcelo Adrio, Paulo Costa, Tiago André,
Valter Guerra, Wagner Passos e Rafael Fazzion.
Galba, autodidata, fez história com o grupo Mina das
Minas e nas últimas dezenas de anos fez parcerias com muitas feras, destacando João Bá, Vitor
Batista, Zé Geraldo, Paulo Simões, João Arruda, Nanah Correia, Dani Lasálvia,
Levi Ramiro, e tantos e tantas!
Igualmente não se furta em posicionar politicamente:
é homem de convicções sólidas e corajosas. Um cantor militante, trafegando nas
trilhas que abrigaram Dércio Marques, Atahualpa Yupanqui, Gonzagão, Victor Jara,
Joan Baez, Violeta Parra e todos que sempre optaram por estar ao lado daqueles
cuja voz não é ouvida.