Se for feita uma enquete, pouquíssimos saberão quem é J. B. Dias, com exceção do pessoal do meio musical, além, naturalmente, de amigos e parentes. Os adeptos do violão terão mais possibilidades de o conhecerem, ao menos de nome, pois é como exímio executor desse instrumento que esse baiano nascido em 1932 ultrapassou inúmeras fronteiras. José Barrense Dias é daqueles que compreenderam que esse instrumento de seis cordas carrega em sua história e nos seus timbres, memórias ancestrais de nossa espécie humana; é assim, como conhecedor profundo do instrumento que Barrense se apresenta ao mundo; a cada vez que se coloca diante de uma plateia, qualquer que seja o idioma, faz relatos minuciosos de mundos longínquos no espaço e no tempo, tendo ao lado o fiel e amado parceiro, violão. Parceiro versátil, capaz de se fazer compreender seja nas ruas, praças, num terreiro de terra batida ou numa sala de concerto.
O desconhecimento do artista e da pessoa de José Dias Barrense é uma perda enorme para todos. Entretanto, fazendo jus ao adágio “nada se perde, tudo se transforma”, durante as dezenas de anos em que adotou a Suíça como moradia, Barrense dedicou sua longa vida a divulgar e projetar a cultura musical brasileira: todos os seus discos, dezenas deles, tem o Brasil como tema central.
Sua história não é nada incomum, segue praticamente um regra. Se serve de
consolo, é ignorado no Brasil, mas tem ilustres companhias: Moacir Santos; Laurindo Almeida; Maria Lívia São Marcos; Nazaré Pereira, Toninho Ramos e tantos e
tantos outros. Alguns fizeram carreiras simultâneas, aqui e no exterior - Naná
Vasconcelos, Tom Jobim, Baden Powel, Astrud Gilberto, até mesmo Egberto Gismonti
e Rafael Rabello. O percussionista Fábio Freire, embora tenha uma intensa
relação com o Brasil, há mais de três décadas adotou a Suíça como moradia.
A música brasileira tem história e tem raízes profundas e
somos um povo que faz da música formas de se expressar e se situar no mundo. A saída,
precoce ou não, de músicos do país pode não ter sido opção, mas a oportunidade
de mostrar o trabalho, que sem sempre é possível por aqui. Desde sempre, desde
os tempos de Vila-Lobos que se pleiteia o ensino de música nas escolas do
ensino fundamental: nunca foi feito. É um sonho sempre adiado para o futuro
distante. O ensino musical não significa que todos serão artistas; mas todos
deveriam ao menos conhecer, digamos, o “caráter social” dessa arte.
Parafraseando o que disse anos atrás o maestro Júlio Medaglia, o jovem estudante tem o direito de saber distinguir música do barulho.
UM EMIGRANTE NORDESTINO
J. B. Dias chegou a São Paulo como milhares de nordestinos,
em busca de melhores condições de vida. As informações sobre seus primeiros
tempos de São Paulo são esparsas e imprecisas. Não sabemos, por exemplo, se ele
já trazia na bagagem um violão, apesar de a imagem do roceiro com o instrumento
nas costas ser tentadora. Provavelmente não trazia o violão, um luxo, para as
suas posses de emigrante.
Já estabelecido, provavelmente em casa de parentes,
trabalhando duro e já de posse do violão, para ele violão era mais que
simplesmente um elemento para ajudar a superar o isolamento do nordestino na
metrópole. Nas horas livres e nas folgas do trabalho trancava-se em seu quarto
e ficava horas e horas familiarizando-se com o instrumento, já buscando um estilo ou um aprimoramento, mesmo intuitivo da linguagem violonística. Ou
talvez, intuísse que a oportunidade, ainda incerta, aconteceria, vislumbres que
só os sonhadores secretamente acreditam.
A DESCOBERTA
José Dias trabalhava como auxiliar de garçon no singular restaurante
Parreirinha, especializado em peixes e frutos do mar, na Rua General Jardim, no
bairro boêmio de Vila Buarque. Uma das características do Parreirinha era a
presença de musica ao vivo.
O quadro se desenhava propício, literalmente ele estava a um
passo da sonhada oportunidade. Trabalhava limpando mesas após as refeições e propôs
ao gerente para, nas folgas, tocar violão. Assim se tornou um “músico da noite” mas isso era apenas um
etapa do caminho. Já tinha claro os desdobramentos de sua intimidade com o
parceiro violão.
Foi numa das apresentações, lá por meados dos inicios dos anos
1960, José Dias foi visto por Paulinho
Nogueira, que morava nas imediações da Praça da República, a poucas quadras do
Parreirinha, que frequentava assiduamente. Paulinho já era consagrado, respeitável
mestre, adorado pelo público e alunos. Se destacava pela extrema simplicidade
pessoal e extrema complexidade técnica. Pois ele que entendia do riscado como
poucos, viu, ouviu e gostou e se tornou seu
padrinho musical de José Dias Barrense. O que veio a seguir é História. Se
chamarmos Lenda, não estaremos longe da verdade... Conforme disse John Ford, no filme "O Homem Que Matou o Facínora", se a lenda for mais forte que o fato, imponha-se a lenda!"
CONSOLIDAÇÃO
Barrense sempre foi um desconhecido em terras brasílicas,
mas por outro lado, tem presença marcante no cenário musical europeu, que
inclui várias passagens pelo icônico Festival de Montreux. Curiosamente
realizou apenas dois concertos no Brasil, em Curitiba e Salvador.
Possui vasta obra, merecendo destaque o DVD/CD em parceria com Paulinho Nogueira,
lançado em 2000, uma raridade com distribuição apenas na Europa. Gravou pelos
seguintes selos: Evasion Music, Rendez-Vous
Digital, Mauley Music, Blue Cat Label, M. Records Mauley Music, Iris Music.
Não obstante ter construído toda a sua carreira no exterior,
a obra de Barrense é genuinamente brasileira. Quando o ouvimos, seja nas peças
instrumentais ou cantando, tem certeza absoluta de que ele jamais se afastou de
terras brasileiras.
Suas referências são 100% brasileiras. Em seus discos vemos
uma abundância de temas do folclores brasileiro como poucos artistas
brasileiros o fizeram. “Tutu Marambá”, “Terezinha de Jesus”, “Dançado Balaio”,
“Nesta Rua”, “Nhampopé”, etc. São poucas, pouquíssimas, músicas que sejam de
outros autores e países. O sotaque brasileiro se mistura, amalgama-se,
globaliza-se justamente por ser executado tendo como sua inspiração sua aldeia.
Mas não é uma aldeia qualquer: vai da Bahia ao Amazona (Não a toa, titulo de um
de seus discos).
Um de seus trabalhos
mais significativos – “Saga Nordestina” poderia se chamar “Uma Saga Brasileira
Através de Suas Canções”, onde o autoral se mistura ao tradicional, como se
fossem o mesmo elemento – do mesmo barro, evocando seu sobrenome!
Curiosidade (2): José Dias Barrense mereceu uma biografia,
em francês, ricamente ilustrada, contando, por sinal, boa arte da história
musical brasileira. Escrita por Claude Gerbex, sob o título “Barense Dias, Six Cordes Pour une Vie”. Fica a dica para editores brasileiros! Não é
apenas a história pessoal de José Dias, mas boa tarde de nossa história musical
está descrita ali. Infelizmente temo que esse privilégio fique restrito aos
europeus, dada a nossa precariedade e complexo de vira-lata. Talvez seja mais
fácil aprender francês!
La Guitarre de José Barrense Dias
Raízes Brasileiras
Isto é Brasil
Riez Sur Moi!
(Comemoração pelos 50 anos de Carreira)
Areia (Gravado ao Vivo
no Montreux Jazz Festival 1998)
Da Bahia ao Amazonas
Saga Nordestina
Bachiana
L’essentiel
Violão Mágico
You Changed My Life
He! Bahia
José Barrense Dias e
Paulinho Nogueira CD/DVD
...etc!
Um músico baiano que acabava de chegar na Suíça
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por › society › arquivos-da-rá.
José Barrense-Dias tem um herdeiro musical. Trata-se de seu sobrinho-neto, Petrônio Barrense, músico e luthier:
Petrônio Barrense é o do meio. A sua esquerda, Mestre Robson Miguel.