Ninguém em
sã consciência poderia dizer que Jean Garfunkel, com seus quase dois metro de
altura, passaria despercebido em algum lugar dessa surpreendente São Paulo.
Muito menos sua obra, embora Jean não seja um artista das multidões”, não
obstante muitas de suas obras sejam conhecidas do grande publico.
Jean é
dessas pessoas que respiram e transpiram arte o tempo todo, por ele transitam múltiplas
formas de arte. Sua obra não é extensa – em termos numéricos – mas mesmo uma
análise breve de seu trabalho da conta de ser uma obra de enormidades profundas
e quem conhece, não fica indiferente. Sua obra é composta ao longo da caminhada
do dia a dia e os registros podemos chamar de pausas onde ele decide fixar o
trabalho erguendo uma discreta mas sólida torre sob a forma de discos, livros, trilhas
para teatro, películas. Até o momento tem registrado 4 discos com seu parceiro
e irmão Paulo, dois discos solo; os livros “Poemia”, “Poemania Crônicas” e o
livro de poesias “Rave is Heaven no Sertão”, lançado neste ano da graça de 2024,
do qual extraímos algumas reflexões, como segue abaixo:
O título –
rave is heaven - sugere uma leve brincadeira com o som das palavras rave e heaven e o complemento no sertão
poderia ser uma homenagem aos cordelistas sertanejos, de antiquíssima linhagem.
O caráter de missão que o “cantautor”
autoatribui-se pode também remeter aos “goliardos”, chamados “os hippies da
idade média”, monges que eram expulsos do conventos por comporem textos considerados
escandalosos ou mesmo ter comportamento, digamos, dissonantes dos princípios
morais do clero. Uma vez expulsos, sendo músicos e poetas de talento e sem
outros dotes profissionais, tinham como último recurso animar ajuntamentos de
pessoas, desde batizados/casamentos até bordéis. A precariedade da “profissão”
de trovador, como se vê, é muito, muito antigo e até hoje os encontramos pelas
estradas e ruas. Muitos peças da Renascença foram criadas pelos “goliardos” e a
forma “erudita” de sua Arte chegou até nós como Carmina Burana.
Foi assim,
de forma “inocente” que fui apresentado ao pequeno livro de poemas, esperando deparar-me
com sugestivas versões de Chicó, João
Grilo ou Malazartes, lendários personagens/arquétipos populares e por isso
universais.
Minha pretensão
de fazer uma leitura leve e despretensiosa sofreu um pequeno abalo quando me
dei conta que a obra não era um mote para a apresentação e desfile do
personagem que poderia ser o cordelista, o repentista ou o cantor de rap que muitas vezes nos surpreendem nos
metrôs da vida. (Não posso me queixar porque fui avisado. O poeta Ruy Proença
alertou no sucinto prefácio: “...nos
lança ao ponto de encontro, ou choque de culturas, típico da contemporaneidade
globalizada.”)
Jean Garfunkel, artista e cidadão, é um
cronista agudo de nosso tempo e usa o poder de síntese para abordar desde a
denúncia de abusos de menores, critica literária, politica, social, etc; em cada
um desses temas Jean, fazendo vezes de um Adoniran Barbosa refinado, toca o ponto fulcral e disseca em poucos
versos o que cientistas sociais esmiuçariam em grossos volumes...
VICISSITUDES
DO CIDADÃO COMUM:
A arte de
Jean Garfunkel se confunde com a pessoa e com o esteta: nada escapa ao seu
crivo, mesmo quando trata de aparentes banalidades, como na música “É as Contas
Qui Manda Ni Nóis” do CD “13 Pares e Um Fado Solitário”, onde, com humor
relata as agruras do trabalhador e honesto cumpridor de deveres, cada vez mais
obrigado a lidar e fazer mágicas com seu salário apertado e as “contas” mensais
que aumentam mais que o salário. Retrata com fidelidade a falsa noção de
liberdade que tolhe a vontade e a “liberdade” do homem moderno, engolfado pela
política neoliberal que o obriga a trabalhar jornadas impressionantes – 12, 15, 16 horas – exatamente como nos
primeiros tempos do “capitalismo selvagem”. E ele, homem, ainda tem a ilusão de
conduzir seu destino, como se tivesse liberdade de escolha! Aqui encontramos correspondência
no pequeno ensaio de Vilém Flusser, “A Filosofia da caixa Preta – Ensaios Para
Uma Filosofia da Fotografia”, onde ele trata da relação entre o fotógrafo e a
máquina fotográfica – a caixa preta - que ele tem a ilusão de controlar, quando na
verdade, ele é conduzido, pois é a máquina, quem define as condições de tempo,
de luz para que o fotógrafo produza a foto perfeita... A escolha é dela e não
dele!
Ao tratar
temas fundamentais da existência com ironia e bom humor, lembrando que não
adianta ter raiva da rave, o forró
americano, pois “...a hora não tarda/ de
a gente montar no destino/ e rumar para uma estrada/ que leve a nós mesmos.” Poesia
e filosofia se reúnem em mesa redonda, cada qual propondo decifrar esse ser que
sempre sonhou com as estrelas ao mesmo tempo que é governados por efemérides. É
licito o uso livre de versos oriundos da sabedoria popular e também de
requintadas reflexões filosofais: Poesia e Filosofia frente a frente! Ao
contrário dos debates políticos, aqui é possível convergir para pontos de
encontro e tudo terminar em forró!