VEM AÍ PÁSSARO FUTURO, COM CONSUELO DE PAULA E REGINA MACHADO

 

Durante a pandemia do CoronaVirus, Consuelo de Paula e Regina Machado iniciaram uma febril troca de correspondência sob forma de poesias e melodias que resultaram em aproximadamente 60 canções. A parceria ter nascido e prosperado durante uma das maiores tragédias que já assolaram é sintomático: artistas, de modo geral, possuem o dom de captar o “espírito de uma época”, conforme definiu Walter Benjamin a respeito da obra de Baudelaire e Edgard Allan Poe que durante o auge do capitalismo, descreviam, inconscientemente, a brutalidade dos primeiros tempos quando não era exagero chamar de “capitalismo selvagem” – que dizer de jornadas de trabalho de 20 horas diárias sob condições insalubres? Consuelo e Regina fizeram uso da tecnologia para dialogarem durante um período onde o contato humano poderia ser letal e por toda parte se respirava medo, morte, incertezas. Contudo, havia espaço para a criatividade e o sonho e a vasta produção poético/musical foi a resposta para desafiar a angústia que nos empurrava para profundidades abissais... Ouso dizer que poucas vezes na história de nossa música se produziu tanto, especialmente se tratando de duas artistas que costumam produzir de forma meticulosa, cuidadosa. Desta feita, foi aos borbotões, as canções irrompiam como ondas! Dada a natureza complexa e densa do material, produziram um recorte de 11 canções a que deram o nome “Pássaro Futuro”.


 

“Passaro do Futuro”,  primeira aparição em disco de Consuelo de Paula e Regina Machado, sela um necessário encontro que parecia predestinado desde o início dos tempos, pois pareceram parceiras de longa; ambas marcam presença no mundo em forma de música e poesia: Consuelo, a alma lírica carregando em si extensa bagagem, sempre disposta a mergulhos vertiginosos, sem concessões de qualquer ordem; Regina, de apuradíssima, refinada e rigorosa técnica, sem desmerecer a intuição, aberta ao diálogo, à experimentação. No trabalho das duas, que tivemos oportunidade de ver em raros shows para uns poucos felizardos que tiveram a oportunidade de ver e ouvir a obra ainda incompleta. No palco, com o projeto ainda sendo modelado, as duas se equilibravam em contradança cósmica, abolindo distâncias, conceitos, espaços.  Produziram uma obra ao mesmo tempo doce e dilacerante, profunda, intensa, inspirada, capaz de reter a atenção da audiência rigorosa e emocionar os sonhadores, porque é calcada em ancestralidades, solidamente palmilhada, para cativar corações e mentes. Mas, de onde veio a expressão Pássaro Futuro? 


 

De nossa parte, desistimos de tentar capturar o sentido ou a razão de ser do “pássaro  futuro”. Qualquer que seja a forma pela qual tentamos desvelar-lhe a natureza, a mesma nos escapa, pois se trata do Pássaro Mítico, que habita o cerne de muitas culturas, desde os confins do Oriente, entre desertos, vales, cordilheiras, florestas, savanas até pousarmos delicadamente na cultura guarani – onde a expressão se encontra devidamente grafada. Foi exatamente nesse ponto que as artistas realizaram o recorte abordado. Por se tratar do Pássaro Mítico não é nenhum em especial, apesar da clara referência ao “Colibri”, o Pássaro Primeiro entre os Guarani. Mas poderia se tratar do poderoso Condor, que inspirou o peruano Daniel Robles a compor El Condor Pasa, peça que, segundo o autor, deveria ser a música da integração latino-americana. Muitos povos originários da América do Norte referenciam a Águia, povos nórdicos idem. Poderia ser o nosso Gavião Penacho ou Urubú-Rei ou o lendário amazônico Uirapurú, El Roussinol, da cultura catalã e, – porque não?, o desajeitado Anu-preto, alcunha Coró-Coró, que não figura entre as Aves Nobres, mas, segundo João Bá, foram inspiradores da necessária Reforma Agrária! Não esquecer o Beija-Flor, entranhado no folclore brasileiro como o Cuitelinho.

O “Pássaro Futuro”, Pássaro Mítico de Regina e Consuelo, não tem forma definida. Pode ser uma junção de fragmentos, que se juntam na penumbra do Tempo – Passado ou Futuro? Parente próximo da Fênix, a ave que renasce das cinzas? Eis uma poderosa metáfora onde miraculosamente se insere os povos originários da América do Sul, metodicamente exterminados ao longo de mais de cinco séculos e cuja força se mantém intacta!

Desde algumas décadas, a partir da segunda metade do século XX, o discurso de combate à Natureza foi inteiramente modificado ao surgir a veemente necessidade de preservar rios e florestas, perante o risco de degradação da delicada engrenagem que mantém vivo o nosso pequeno planeta: existem outros mundos, maiores que a Terra, mas não possui o que temos em abundância: agua e vida, que na enormidade infinita do Kosmo é coisa rara, de fato o bem mais precioso!  

De tempo para cá já temos nuances do grande combate que a Humanidade terá de travar pela  urgente preservação dos recursos naturais. Não será contra um inimigo direto, mas contra nós mesmos, contra nossa ignorância e insensatez. Então, os povos indígenas, sem fantasias heróicas, sob as asas do pássaro futuro generosamente podem nos ensinar a retomar caminhos, pois ninguém entende mais de natureza do que eles. De quase exterminados pela ganância humana a salvadores da espécie humana. O mundo dá voltas - se houver mundo!

O “Pássaro Futuro”, o Pássaro Mítico, pode vir à ser a criatura alada que habita as camadas mais profundas da espécie humana que apesar de  sua imperfeição, tem acêsa no coração a centelha divina que gerou nossa imperfeita humanidade.

Nos períodos de grave crise, silenciosamente deixa seu ninho e semeia sementes de esperança. Uns poucos seres iluminados, de nome Consuelo e Regina, tem permissão especial para decifrar suas intenções e espalhar pelos corações as sementes da redenção, que reacenderão a esperança no mundo por vir!

PÁSSARO FUTURO

(repertório)

Ayrá

Plumagem

Canto de Chegança

Mainu

Ave grande

Ave passageira

Ave-preta

Vento-mar

Noturna canção

passarim roseira

Atiaru

 


Aguardem! Acompanhem as artistas pelo Instagran, onde noticias do lançamento previsto para Fevereiro vão estar disponíveis.


 

 

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