A primeira vista o título remete à famosa crônica de Fernando Sabino – que, a propósito, faz falta nos tempos de hoje, com sua leveza lírica. Sabino fez parte de uma geração de ouro da literatura brasileira. Falar dele é falar de Oto Lara Resende, Rubens Braga, Clarice Linspector, Rachel de Queiróz, tantos outros e outras. Fernando Sabino se destacou como autor de crônicas, contos e romances. Andou flertando escrever biografia de politico, mas creio que ele mesmo prefere esquecer esse lapso... Não deu certo e ninguém é perfeito!
Um de seus textos mais marcantes foi o romance O Encontro Marcado, símbolo de uma ou várias gerações. Seu texto mais marcante na memória popular deve ter sido O Homem Nu, que narra as peripécias de um homem que saiu para pegar um pacote de pães deixado pelo padeiro na porta de casa. Estava nu, mas era um domingo de manhã, era pegar o pão e entrar, 2 ou 3 segundos, ninguém ia ver. Mas ao sair a porta fecha e trava e o conto curtíssimo narra os apuros do homem, fora de casa e nú! Virou filme, estrelado por Cláudio Marzo!
A crônica a qual me refiro – A Falta Que Ela Me Faz – deve ter surpreendido milhares de leitores na época, pois a primeira vista pensamos na falta que deve fazer a um homem a mulher de sua vida! No caso, embora se trate de uma mulher (a que faz falta), ele se refere a empregada que realiza seu discreto trabalho. Ninguém a valoriza, mas é essa serviçal invisível quem organiza sua vida e um simples mês de férias que ele concede a ela é o bastante para desestruturar completamente sua vida!
No meu caso pessoal, trata-se de alguém do sexo feminino que conviveu e mandou em minha casa durante alguns anos. Trata-se de minha Gata, de nome Nita, acometida de um mal advindo de problemas respiratórios. Mal de gato de apartamento, movendo-se em espaço reduzido – embora ela fosse ativa e passasse parte da noite perseguindo reflexos de luzes externas filtrados pela janela.
Nita fazia parte de meu cotidiano e determinava o início de meu dia, pois a primeira coisa que vericava era se tinha agua para ela e em seguida depositar sua porção de ração; Nita ajudava-me a organizar o inicio do meu dia. Mas tinha mais: a organização da casa em si mesma levava em conta sua presença, como a colocação de redes de proteção na sacada e janelas. Sua partida súbita deixou um vazio só percebido de fato com sua falta. Embora silenciosa como são os gatos, era capaz de se infiltrar pelos lugares mais inesperados. Certa vez, “desapareceu” e estava a ponto de dar o caso como perdido depois de examinar cada metro quadrado do apartamento quando ela ressurge, sonolenta, de dentro do sofá, num espaço exíguo entre o assento e o encosto. Como ela se infiltrou lá, nunca soube. Gatos são dados a isso, a mistérios.
Mas, desta vez, não foi travessura e se tem algo que reconforta é que tivemos uma convivência harmoniosa, embora pertencêssemos a espécies diferentes. E algumas dúvidas, sempre persistirão: fui eu quem a escolhi ou ela quem me escolheu? Era ela meu bicho de estimação ou era eu o seu bixo humano de estimação?
Tomado por dúvidas, tomei a liberdade de realizar uma consulta telepática com um dos bichos mais sábios que existe, o Jabuti, que recusa a aderir certas modalidades modernas de comunicação. Não tem whatzap, email, telefone fixo, nada. Entrevista com ele só presencialmente ou pelo velho sistema telepático, que muitos reputam antiquado, porém, eficiente.
Quando expus ao Jabuti tais dúvidas, ele foi enfático: “Voce sabe a resposta! Não se lembra? Está na página 88 de sua narração A Invenção da Palavra!”
Tiro e queda. Fui ver o livrinho e estava lá, nas palavras do próprio Jabuti, que foram registradas nas memórias de muitas gerações antes de mim: Numa conferência dos bichos, preocupados com as bobagens que muitos humanos estavam praticando, decidiram intervir. O Jabuti, em pessoa deu as instruções finais:
“Faremos o homem acreditar que é o senhor da situação, eles jamais devem perceber que somos nós os verdadeiros donos de suas casas! Na verdade, pouco importa. O importante é ajuda-lo a ser mais equilibrado. Ensinaremos a ele boas maneiras, o valor da lealdade, da amizade, sensibilidade, etc...”
Mas não pensem que nossa convivência era completamente harmoniosa. Muitos conflitos explodiam no dia-a-dia, pois acontecia algumas vezes termos opiniões e atitudes conflitantes.
Ela tinha por hábito acomodar-se em meu colo enquanto eu escrevia. O bicho pegava quando ela cismava que minha mão esquerda deveria ficar pousada sobre a côxa esquerda para que ela pousasse sua cabeça!
Outra coisa que a desagradava muito era eu atender o telefone enquanto estava com ela no colo! Para ela se tratava de um acinte, de um disparate! Do ponto de vista dela, era o cúmulo da falta de respeito. Ficava irritada, deixava clara sua discordância. Pulava do colo e saía pisando forte!
Mas quando eu pensava que tivesse chegado a um ponto inconciliável, lá vinha ela, silenciosa como sempre se enrolar em meus pés instigando a seguir em frente...
Tinha suas preferências pelos velhos LPs! Tinham de passar por seu crivo. No Instituto Juca de Cultura (I.J.C.), sob a batuta do poeta Paulo Nunes, existe uma gata poderosa, a Rabudis! Artista só pisa aquele sagrado palco se ela aprovar.